quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Na pele do gadareno



            Mais uma vez estou em meio aos restos mortais dos que já partiram para a eternidade. Vejo tudo como fruto de uma luta insana que perdura por gerações. Habito em meio aos sepulcros. O cheiro dos mortos tornou-se o cheiro da manhã. As catacumbas abertas são meu lar.
            Não quero que me olhe com medo. Não quero que me odeiem. Quero amor. Quero ser amado. Eu quero viver a Boa Nova. Eu quero sentir um amor que me faz bem. Prender-me em correntes não vai adiantar nada. Eu quero liberdade. Eu quero paz!
            Sou atormentado constantemente por seres desalmados. Sou atormentado por horrores constantes. Habito em várias tumbas, e meu perfume é a fétida essência de morte. Minha pele, cheia de buracos ocasionados pelo êxtase da minha agonia.
            Minha voz, rouca de tanto gritar. Gritar palavras de socorro cujos resultados são inúteis. As pedras, vermelhas por natureza, possuem uma crosta negra de sangue podre por cima. Sangue meu, derramado por mim, no êxtase da minha agonia.
            Me autoflagelo para que isso saia de dentro de mim. Busco uma dor física que supere a dor interna, tudo para esse ser parar de me dominar. Quero fugir dele, mas ele me domina cada vez mais. O pior é que ninguém me entende. Ninguém me ama mais. Acham que isso vem de mim, mas não sou eu!
            Foi assim que tudo começou: sentado no ócio da minha infância, deitado num berço, que muitos diziam ser esplêndido. No ócio. No vazio indefinido. No silêncio fez-se ecoar os gemidos horripilantes dos meus algozes. Na oficina vazia, no terreno desabitado, houve a invasão.
            Ratos, moscas e as demais pragas perfuraram as paredes e invadiram meu coração, e o transformaram em terreno perigoso onde poucos querem acessar. Ninguém quer chegar perto das vítimas dos invasores do ócio, eles tem medo de mim.
            É isso que sou, sou vítima. Fui eu o atacado, fui eu o atingido, fui eu o possuído. Quem dera que meus olhos pudessem repousar em paz quando fechados! Quem dera que alguém demonstrasse amor por mim! Amor que me alimentasse e me fizesse produtivo.
            Pobres humanos! Acham que ao matar o corpo se destroem as ideias. Acham que é aparando as folhas que se mata a raiz. Vocês não sabem o quão inúteis são suas correntes! O meu tormento é maior que isso. Não vai adiantar de nada.
            Em momentos repentinos minha mente se controla. Ainda há esperança para subjugar-me a mim mesmo. Nos momentos em que penso, minha mente apresenta um leve indício, uma grátis amostra da utopia da paz. É só uma amostra. Antes eu tinha base. Antes eu tinha um bom começo, mas não tenho mais. A base que deveria ser a família me jogou longe.
            Ainda posso me libertar? Quando tento afastar de mim tudo o que me fere a alma, esses seres desalmados me trazem à memória tudo de novo. Quando tento ter paz, entro em conflito de novo. Por que ainda é assim?        O nascer do Sol não me ilumina mais. Os amores nãome encantam. O que me resta é esse tédio. O que me resta é essa dor. Até quando será assim?
            Com o coração angustiado eu caio e choro. Choro fumaça. Sim, choro fumaça branca, de lágrimas evaporadas. Choro uma fumaça esquentada pelo calor da minha dor. Um vapor mais gritante e molhado que água salgada.
            Vamos! Acabe logo com isso! Se na morte há alívio, me alivie! Venha e me faça deixar esse mundo de lado. Ouço vozes. Ouço ruídos. Ouço um mundo me ameaçando por algo de que não tenho culpa. Minha única culpa foi estar no ócio e ser inofensivo demais.
            Um fogo me queima, e, pelo andar da carruagem, um fogo me queimará eternamente. A morte bate à porta e me chama para sair com ela. Estou com medo.  Estou sozinho nessa.
            Ao olhar para os que aparentam me amar, vejo no fundo de seus olhos que eles estão todos rindo de mim. Estão esperando que eu fuja para tomarem meu espaço. Não estão em meu favor. Eles querem que eu morra. Estão contra mim!
            Mesmo que eu esteja quase enlouquecendo, por favor, não desistam de mim. Minhas chagas cheiram mal, meus acompanhantes noturnos matam, roubam e destroem. Mas eu quero fugir daqui! Libertem-me, por favor! Se ainda há alguém me ama, por favor, se manifeste rápido. Senão só vai me restar o fogo eterno.
            Quantos assim não existem por aí? Pessoas dominadas. Dominadas por vícios. Atormentadas por medos e pensamentos macabros. Pobres gadarenos. Usuários de drogas, esquizofrênicos, enfim, de tudo, um pouco. E a minha pergunta a todos é: Onde está o amor?
            Abri o Livro Sagrado. Eu li cada palavra dele. Acabei me deparando com a história do gadareno. Quis entender o porquê de ele habitar em catacumbas abertas. Quis explicar os problemas que levam um homem a chegar ao mais baixo nível que um humano pode chegar. Na tentativa de explicar isso, confesso, não quero estar nessa pele. Pele de um possuído, pele de um pobre gadareno.

Ozni Coelho

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

V



A Faculdade estava mais vazia do que o natural. Provavelmente devido à pressão da mídia sobre o caso das mortes dos professores. Nossas buscas foram vãs, afinal o que perguntaríamos e a quem? A cada dia nossa incompetência recebia mais um certificado de atualização. 

Porém, ao entrarmos na biblioteca, as coisas mudaram. Um jovem, aparentemente na casa dos 20 anos, olhou-nos dos pés à cabeça e disse: “EU SOU disse que viriam. Procurem pelo último livro da última prateleira”. Sacou então uma pistola e, sem hesitar, abriu um buraco no próprio crânio. Não houve tempo para nada. De alguma maneira medíocre, aquela visão, aonde órgãos eram dilacerados e o sangue era espalhado por todos os lados, tornara-se comum para nós. O tempo passava, EU SOU agia e nós, bem, nós seguíamos suas dicas. Sabíamos que seu objetivo final era ser encontrado, então centramo-nos em descobrir o que ele tentava nos fazer entender. ‘Isso não parará toda a Ordem’, disse um dos professores ainda em vida. Era isso o que buscávamos e, ao encontrar o livro, passamos a compreender. 

Era um exemplar antigo de capa dura marrom, de um livro chamado ‘O corpo glorioso’. O autor era desconhecido. Na contra capa, havia para nós um bilhete: 

“Vejo que chegaram até aqui. Estão mais próximos do que imaginam da realidade Absoluta. Pelo que deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Pois, já que despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou. Queriam o poder daquele que os criou. Por isso, A terra inteira será um deserto abrasador de sal e enxofre, no qual nada que for plantado brotará, onde nenhuma vegetação crescerá. 
Por seus erros, porei diante de ti a morte e a destruição. Em verdade eu digo que ainda hoje, pelo fogo morrerão”.  
Sala 77A“.

Novamente, sabendo que ele havia estado ali e que se dirigia a nós como velhos conhecidos, sentimo-nos estranhos. Não há palavras para explicar como essa situação havia se tornado parte da rotina da equipe. Sentíamos medo, mas também nos sentíamos íntimos. 

O número de série da pistola usada pelo jovem, também havia sido raspado. Era um aluno matriculado na Faculdade. Cursava História e estava no terceiro ano. Seu boletim era impecável, porém ao perguntarmos aos seus colegas de classe sobre o seu comportamento em sala e também à sua família, todos resignaram-se e disseram que há muito ele andava diferente. Trazia sempre consigo o livro dito e falava a todos sobre as “conspirações” dentro da faculdade. Era tomado como louco. Sua mãe disse que ele havia ordenado que, quando chegasse sua hora, seu corpo deveria ser levado ao galpão e ressaltou que não deveriam mexer nele, ou pagariam pelos seus erros. O rapaz já tinha em mente o momento de sua morte. A mãe disse que o galpão era um local aonde sempre se dirigia após as aulas. Por muitas vezes não voltou para casa. Mal sabíamos o que nos esperaria nesse local dali alguns dias.  Porém, o que nos esperava na sala 77 do bloco A nos interessava mais no momento. 

Estava fechada e, segundo o zelador, raramente alguém passava ou entrava ali. Bem, pelo que vimos, não era tão raro assim. Lá dentro, o filtro vermelho nos esperava. 4 paredes brancas, em 3 delas havia o número 6, na quarta, a estrela. No centro, 2 macas, nas macas, 2 corpos. Nos corpos, fogo. Um homem e uma mulher ardiam em morte ao redor do número da besta. Assimilei o crepitar aos gritos de dor que aqueles dois seres, agora totalmente desfigurados, provavelmente haviam dado antes de morrer, enquanto ainda tinham bocas. O cheiro de carne humana assada era fortíssimo. Muitos da equipe não seguraram seus estômagos. Ouvimos berros de pavor, sentimos o medo no calor que o fogo provocava na pele. Aquele era o cheiro da morte. EU SOU era a morte personificada. À frente dos corpos, em uma pilastra de aproximadamente um metro e meio de altura, havia uma caixa de madeira. Ao abri-la, encontramos um caderno de capa preta. Na capa havia um círculo vermelho e, dentro dele, uma espada. Embaixo do caderno, um cronômetro. Contava regressivamente 2 minutos. Soubemos do que se tratava e saímos correndo em disparada.

Ao sair desesperadamente da Faculdade, vimos a profecia concretizada. As coisas haviam atingido outro nível. Aquele ser tinha a inteligência e o equipamento para destruir um prédio que ocupava todo um quarteirão, sem ser visto em nenhum momento. Sem termos a mínima ideia de quem era.  

‘Por seus erros porei diante de ti a morte e a destruição. Em verdade eu digo que ainda hoje, pelo fogo morrerão’. 

Conseguimos que os poucos que estavam lá dentro, saíssem antes da explosão. Porém, os números nos aproximavam do desfecho da história. Eram agora 6. A faculdade havia sido destruída e as peças finais só podiam estar no caderno. EU SOU, deixou-nos aquela que seria nossa penúltima peça: 

‘O círculo e a espada abrem o caminho para a Ordem. O fim está próximo. Porém, EU ainda SOU’.  


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

IV



Assistir ao vídeo deixado por ele era comprovar a fragilidade da vida. Enquanto EU SOU fazia uma incisão e abria o peito daquele pobre professor, ainda vivo, o homem paralisado e desmembrado chorava.  Sabia que era seu fim. Dizia desesperadamente, enquanto sentia o bisturi abri-lo e o sangue quente molhar sua pele fria: ‘ Chega. Não continuaremos com os planos’. Não teve voz por muito tempo.  Afinal, aquela luva negra retirou-lhe o coração que, por algum tempo, ainda bateu ansiando por viver um pouco mais nas mãos daquele monstro. O outro homem, de mãos amarradas tentava gritar, assombrado, mas sua mordaça não lhe permitia. Assistiu o amigo partir. EU SOU posicionou o coração nas mãos daquele ‘sem vida’, quase carinhosamente. Sua destreza era admirável. Ficou claro que tinha conhecimentos cirúrgicos.  Após tirar-lhe o órgão, limpou cuidadosamente o instrumento e passou a trabalhar em seu rosto. Polegada por polegada, cortou. O sangue esvaía-se pelo corpo desfalecido e por todo o chão. De alguma forma estávamos aliviados por aquilo estar sendo feito após a morte.  Retirou cuidadosamente aquela ‘máscara’, pois não desejava que fosse danificada. Isso teria estragado a beleza de sua obra de arte.  Abaixou o rosto do coitado e deixou-o olhando para o corção, que já havia desistido de trabalhar, percebendo que não havia mais nada a bombear. Ali ficou o corpo. Sentado na poltrona, procurando por vida.
Levantou-se, virou-se para o segundo homem e, durante todo o vídeo, foi a única vez em que ele falou. Disse: ‘Tenho um novo rosto para você, víbora’.  Aquela voz satânica era um indício do fim. EU SOU deixou a ‘máscara’ repousar um instante sobre a cama, encaminhou-se até ficar em frente ao homem, abaixou-se e tirou-lhe a mordaça. ‘Isso não parará toda a Ordem’, gritou. Nesse momento soubemos que o homem conhecia seu carrasco. O assassino gargalhou e, em um único golpe, torceu-lhe o pescoço. Matando-o instantaneamente. Pegou a ‘máscara’ e vestiu-a no morto. Sua ‘passagem’ havia sido mais rápida, pois havia uma raiva implícita no ato do golpe. Um assassino que agiu tão calmamente durante todo o processo, parecia haver mudado de postura. Talvez houvesse uma verdade que o incomodou nos últimos ditos do professor. Era a vez do terceiro e último.
 EU SOU ficou de frente para a câmera e a pegou em suas mãos cobertas, andou tranquilamente até o banheiro, filmando o caminho. Colocou-a sob um tripé previamente preparado.  Na banheira estava o último dos coitados, também amordaçado. Vimos o pavor em seus olhos. A água que o mantinha submerso, antes cristalina, amarelava-se pela incontinência urinária que o medo provocava. O assassino estava concentrado, amolando um punhal que refletia um brilho intenso, enquanto o homem olhava-o, sabendo ser sua última visão. Ele viu a morte personificada. Vestia uma túnica vinho e tinha medidas descomunais. O monstro, cansado do jogo com o punhal, ajoelhou-se e tirou a mordaça do homem, que despejou suas últimas palavras: ‘Sabia que viria. Faça o que tem de ser feito’. O contraste entre as posturas dos 3 homens era quase cômico. Um clemente, o segundo determinado e o último, receptivo. EU SOU perfurou-lhe a jugular e levantou-se, assistindo a água amarelada tornar-se vermelha. Um vermelho mais do que vivo, ironicamente cheio de morte.
Pegou novamente a câmera e também o tripé, voltou para a sala e centrou-se em preparar a cena que já foi narrada. Tirou de uma grande mala preta o telão e posicionou-o no canto paralelo à janela. Creio que conectou a câmera a um projetor, pois a imagem foi automaticamente mostrada na tela. Essa parte não estava em nosso campo de visão. Deixou suas mensagens na parede e na cama, como já foi dito. Guardou seus pertences na mala.  Porém, antes de partir, tirou dela um CD, colocou-o no aparelho de som, apertou o Play, aumentando o volume ao máximo. Sarcástico, acenou em despedida para a câmera e vimos seus olhos novamente. Pupilas vermelhas tão marcantes. Saiu pela janela, deixando atrás de si apenas os corpos sem vida e o mórbido Réquiem. Uma sinfonia de morte.  
Seu vídeo tinha mais de uma hora. Somado ao tempo em que ele deve ter demorado a imobilizar os três, mais o tempo em que o vizinho demorou em acionar-nos, chegamos durante a plena reprodução dos assassinatos em tela. Um filme de terror real. Matematicamente planejado. Não pudemos nem ao menos rastrear aonde os aparelhos tecnológicos usados foram comprados. Os números de série haviam sido raspados. Haviam sido deixados como ‘brindes’, por nossa estada em seu museu de espalhamento de sangue e morte.  
Obviamente, apesar de termos ido para nossas casas, não pudemos dormir tranquilamente. Ele estava solto e os jornais propagam em suas manchetes a cultura do terror. Seus olhos estampados na capa. As primeiras linhas, especulativas, questionavam as autoridades e acusavam-nos de incompetentes. Por todas as ruas notávamos olhares furtivos. Qualquer um poderia ser a próxima vítima. Pensando bem, não seria qualquer um.  ‘Quem era ela? Quem são eles?’. Foi pensando nisso que soube que a resposta para essa pergunta encontrava-se na Faculdade. Saber o que é a ‘Ordem’ era a próxima peça. Peça valiosa que nos foi dada por um homem morto. Investigaríamos a vida dos professores, mas antes era preciso esperar o amanhecer. Afinal, somente EU SOU gostava de ‘trabalhar’ durante a madrugada. 

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

III



III





Levantamos algumas suposições, mas não passaram de tiros no escuro.  Através das dicas que recebemos, o plano traçado foi posicionar patrulhas escondidas na Rua 3 e esperar o provável horário dado pelo assassino: 3: 33. Como não poderíamos ter certeza se aconteceria pela madrugada ou à tarde, estivemos todo o tempo em alerta. Atentos a cada movimento incomum. Pobres imbecis.

Não era muito que tínhamos em mãos e aquilo que tínhamos, ironicamente, havia sido dado pelo próprio ‘EU SOU’. As horas passavam lentamente e a cada minuto o suor descia mais frio. A rua estava em paz, não parecia o provável local de um assassinato. Gatos passavam desconfiados, olhando para lá e para cá. O instinto avisava, mas não demos ouvidos. Depois de todo o fim da tarde e início da noite, às 3:35 da manhã, um telefonema rompeu o silêncio que nos assombrava.  O sargento atendeu e, passando os olhos por todos, percebemos o exato momento em que ele perdeu a cor. Colocou o celular no auto falante, por desejo do interlocutor satânico, e todos pudemos ouvir claramente: “Tarde demais”.

Tudo esfriou. Sabíamos que era ele, mas não captamos a intenção das palavras. Apesar de nosso medo, tudo estava calmo e seguia como de costume.  Desistimos e acabamos voltando para a central. 

Sem novidades.  Recebemos somente a ligação de um vizinho revoltado que reclamava do barulho do morador de cima. Após quase 50 horas acordados, eu e meu parceiro resolvemos passar no endereço indicado e de lá voltaríamos para nossas casas. Precisávamos realmente de um descanso. Entrando no saguão do prédio, ouvimos a música. Estava realmente ensurdecedora, mas não demos muita atenção. Seguimos para o apartamento do morador que havia feito a ligação e ele, um senhor de aproximadamente 65 anos, começou a gritar, reclamando que tinha de levantar cedo e que o barulho já seguia por quase uma hora.  Subimos para o terceiro andar. O instinto seguia avisando.  Número 33.  Nós dois sabíamos que era possível e assim foi. Batemos por puro procedimento. Não houve resposta. Arrombamos a porta e surgiu novamente o filtro vermelho em nossos olhos.   

Chamamos por reforços. Tudo havia sido planejado por ele.  Posso afirmar com toda a certeza: Ele sabia que iríamos para a Rua 3 e que teria tempo de fazer o que bem entendesse. Estava sempre um passo a frente.  Esperamos todos chegarem e contemplamos o lugar, ou o que restou dele. Não havia um cm² de normalidade. 

3 corpos. Um recostado sobre o parapeito da janela, outro sentado na poltrona, ao lado da cama. O último, encontramos na banheira, submerso no próprio sangue. Foi o “menos lesado”. Havia apenas jorrado todo o seu sangue até a hora do descanso eterno. Sua jugular havia sido rompida.

Já sobre os outros dois, faltam-me palavras. Não será fácil entender. Porém, o primeiro usava como máscara o rosto do segundo. ‘EU SOU’ havia tido o cuidado de remover inteiramente a pele da face, incluindo o couro cabeludo e ‘vesti-lo’ no pobre homem.  Vocês devem se perguntar a razão de sabermos exatamente a maneira como Aquilo agiu. É simples, ele havia filmado tudo. O circo de horrores era projetado em um telão, posicionado no canto esquerdo da sala. Vimos aquele ser agir. Observamos seus movimentos estranhos, sempre encobertos por aquela túnica demoníaca e as próteses que impossibilitavam a identificação de suas medidas. Tudo isso ao som ensurdecedor do Réquiem de Mozart que diz, traduzido do latim:

‘Condenados os malditos e lançados às chamas devoradoras. Chama-me junto aos benditos. Oro suplicante e prostrado. O coração contrito, quase em cinzas. Tomai conta do meu fim’.

Sabíamos que aí havia outra mensagem para nós. O segundo homem, sem face, segurava o coração em suas mãos e, com a cabeça baixa, ou o que restou dela, parecia olhar para o buraco existente no peito, desacreditado.  Pobres almas perdidas.

A música seguia e na parede havia mais uma peça:

‘Quem era ela? Quem são eles?’. Ao lado, a inseparável estrela de Davi.

Mensagem mais uma vez escrita com o sangue de inocentes. Porém, quando os cadáveres foram identificados, as coisas passaram a fazer sentido. 3 homens de 33 anos, também professores. Coincidência?

Em cima da cama, novamente em papel preto, deixou também gravado: ‘O Senhor te ferirá com loucura, com cegueira, e com pasmo de coração. ‘

‘EU SOU’, ao concluir seu terceiro assassinato era já reconhecido oficialmente como um serial-killer. Parecia ter um padrão. As referências bíblicas, suas mensagens enigmáticas e até mesmo a música, que ainda soava no vídeo, nos mostrariam o caminho até ele.

Tínhamos um assassino em série, livre, em uma cidade de primeiro mundo. Teríamos de agir rapidamente. Recolhemos as evidências e encaminhamos tudo para a central.

‘Quem era ela? Quem são eles?’

No momento não sabíamos a profundidade de onde essa dica nos levaria. Porém, antes, uma boa noite de sono. Como se fosse possível.

sábado, 1 de dezembro de 2012

II




Por volta das 6 horas da manhã, voltamos estarrecidos ao departamento de polícia. A família foi contatada para os trâmites do pós-morte. A única coisa que pudemos fazer foi prometer usar de todas as nossas táticas nas investigações. Estavam revoltados. O tenente, entre gritos, maldizia sua estrela. Segui até minha sala.

Lá, encontrei outra surpresa. Em cima da mesa havia um CD. Na capa estava escrito, em letras garrafais: "EU SOU". Estranhei. Fui até o corredor e perguntei à assistente se alguém havia me procurado enquanto estive fora. Nada. O coração, prevendo o que viria, esfriou ao zero absoluto. Percebendo minha palidez, ela perguntou se havia algo errado. Eu não disse, mas senti. Aquele demônio havia estado ali. Como passou por nossos seguranças sem ser notado?
Pedi que reunisse todos, urgentemente, na sala de reuniões.

Dez minutos depois, estávamos todos lá e, de uma estranha maneira, sabíamos que tipo de horror nos esperava. Coloquei o CD no aparelho, sentei-me e apertei o 'play'.
Durante o primeiro minuto, não havia nada além da escuridão e um arfar(?), que deixou a todos em expectativa. O sargento remexia-se inquietantemente em sua cadeira. Imaginei o que cada um pensava naquele primeiro contato com Aquele ser.
De repente, ouvimos algo. Uma voz. Uma voz que soava como se há muito estivesse calada. Uma voz que foi guardada para aquele momento. Grave, sepulcral, capaz de congelar o sangue corrente em nossas veias.

Disse: "Haja luz". E houve luz. Uma luz que irradiou por trás e o iluminou, ficando ali quieta, resplandecendo sobre aquele ser, como se também tivesse medo. A reação foi automática e unânime. Fecharam os olhos. Eu o 'encarei'. Tremi. Somente os olhos eram vistos, por baixo de um manto vinho que cobria todo o seu "corpo". "Corpo" esse de dimensões descomunais. Ou melhor, não humanas. 
Aquilo sabia com o que lidava. Eram próteses que impossibilitavam os investigadores de calcular suas medidas reais. Os olhos, porém, escolheu deixar à mostra. Fazia parte de seu jogo infernal. Azuis, claríssimos. Mas essa, obviamente, não era a razão do pavor.  As pupilas eram vermelhas. Intensamente vermelhas. Depois soubemos que se tratava de um albinismo ocular, o que, no momento, não impediu que a imaginação de todos da equipe fluísse pelos caminhos menos lógicos.

Guardei aqueles olhos. Ao vê-los, soube que ele mataria novamente. Muito sangue havia de ser derramado.
O silêncio reinou na tela por mais um minuto e meio. Depois, falou(?)mais uma vez. A boca, por trás do manto, não parecia mover-se. Era um profissional. 
"Que eu morra a morte dos justos e seja o meu fim como o deles, pois a minha ira cairá sobre eles. Os homens clamarão pela morte e eu a darei a eles como prova de meu poder".
Concluiu, deixando apenas os gemidos de pavor no departamento. Aos três minutos de vídeo, surgiu uma mensagem na tela:
'SEGUIR 3 33. '
Pensei em sua última mensagem. "PAREM-ME". Aquilo era assustadoramente amigável. Tinha um objetivo. Queria ser encontrado.
A partir desse momento, ficou conhecido como 'EU SOU'.
Trabalhamos com a alma. Porém, os fatos seguintes não foram menos trágicos do que os primeiros.
Seguir 3 33 era a segunda peça.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

I




O chamado foi recebido às 3 horas da manhã, em plena madrugada de sábado.
Há muito não recebíamos um 121. Dirigi automaticamente ao local indicado no rádio.
E, ao entrar no número 407, a visão tornava-se vermelha, como se um filtro houvesse sido acoplado aos nossos olhos. Pouco se podia distinguir da mobília rústica do pequeno apartamento.
No momento tudo estava e não estava. A equipe, simplesmente desnorteada, não sabia por onde iniciar a perícia. Em um lugar aonde a taxa de homicídios intencionais é inferior a 1%, o circo feito pelo suposto assassino era de se preocupar.

Ao lado da porta de entrada, havia um banco. Em cima do banco, uma bíblia aberta e o seguinte versículo grifado em vermelho: 'Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.'
A boca dela havia sido selada com folhas de uma árvore que, ao serem catalogadas como evidências, foram reconhecidas como pertencentes a uma macieira de Sodoma. Curiosamente, uma árvore dada como impura pelos judeus. Seus olhos, cobertos por uma venda vermelha, permaneciam abertos para sempre. Afinal, suas pálpebras haviam sido cerradas, assim como suas mãos, dispostas uma em cada lado da cama, paralelas ao seu corpo nu.
Uma delas, do lado direito, foi manipulada para que apontasse para a outra, que guardava uma nota escrita em papel preto com letras brancas. Lia-se: 'Na sinceridade do meu coração e na inocência das minhas mãos fiz isto.'

Com o quê estávamos lidando?
Muitos profissionais altamente graduados, décadas de carreira, tiveram de sair correndo e acabaram encharcando os corredores do prédio de vômito. As paredes estavam repletas de sinais, a princípio não identificados. Tudo foi fotografado para a análise posterior. Reconhecemos apenas a estrela de Davi, acima da cabeceira da cama de madeira escura. Ao lado, no papel de parede mofado, havia um " PAREM-ME", escrito em sangue. O estado de choque dominava a todos.
Ou quase todos, como espero ter a oportunidade de contar.

Ela, de braços abertos, mesmo sem as mãos. Pernas arqueadas, mesmo que a única "caminhada" que fará agora, será até a própria sepultura. Havia completado 27 anos três dias antes de sua morte. Era a nova professora de filosofia da faculdade local. Sua família vivia em outro estado. Estava só, mas claramente havia sido acompanhada.
Pensei novamente na parte inicial do versículo grifado:
' Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.'

Era a primeira peça do quebra-cabeça.

...

domingo, 11 de novembro de 2012

PODIA TÊ-LA SALVO...


Sim, podia tê-la salvo.
Diziam revoltosos e sem entender a razão de minha súbita paralisia.
O corpo estava ali, fitando o firmamento, como era seu costume em dias de sol. Sempre gostou de procurar figuras na nuvens. Os olhos abertos, ignoravam a morte. Estava ainda ali, de alguma forma, esperando o amanhecer que traria a claridade necessária para seu passatempo juvenil.
Podia tê-la salvo. Caro seria o preço que eu haveria de pagar por ter impedido o prematuro agir do Tempo. Creio que, ao medir todas as possíveis consequências, racionalizar sua existência e o que poderia ainda conquistar, perdi os movimentos.
Fiquei ali por horas. Primeiro as luzes da ambulância, com sua sirene que, assustadoramente, não tinha forças suficientes para cobrir o silêncio que no momento era a maior parte de mim. Depois, seu frágil corpo sendo carregado por todas aquelas mãos estranhas. De onde surgiram? Quem os chamou? Não pude ver.
Podia distinguir, em meio a todo o ambiente alucinógeno, vozes distantes que me cobravam a redenção de sua alma.
-Sabe, sim, podia tê-la salvo.
Repetiam ainda revoltosos.
Mas ali já não haveria costumes ou dias de sol.
Somente as nuvens estariam ali, como testemunhas mudas da partida de sua velha amiga, que passava horas a admirá-las e dar a elas formas e vida. Comparando-as a coelhos, gatos, dragões e cavaleiros alados.
Olhos brilhantes.Um brilho que, estranhamente, só pude ver novamente no momento de sua morte.
Gosto de imaginar que, naquele milésimo, sua consciência foi transportada e ela viu-se diante de tudo aquilo que formou nas nuvens. Um ambiente só seu, com cavaleiros, leões, gatos e seus outros amigos. Assim, sinto-me menos culpado por não ter parado aquele disparo que, aliás, supostamente era direcionado a mim.
É melhor pensar que a privei de uma vida em constantes falhas e decepções em meio aos homens e a proporcionei uma viagem a um dos palácios dos muitos reinos de nosso Pai. Lá está, em paz.
A ambulância seguiu seu caminho. Aquele foi o adeus.
Eu e os outros, aniquilados por meu mutismo, partimos sem que nossa presença fosse notada pelos que a tentaram resgatar. Eles, mensageiros, estavam certos.
Podia ter salvo sua vida.
Porém, ao olhar para o mundo de hoje do pico desse monte, vejo que de certa maneira eu o fiz.
Eu a salvei da vida na Terra.
Ou não.
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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Jugo suave e fardo leve



            Minha fornalha é a mais aquecida. Meus leões, os mais famintos. Meu gigante, o mais temido. Meus inimigos, os mais numerosos. O meu mar, o mais bravio. O meu barco, o mais frágil. Minha noite, a mais longa. O meu sono, o mais curto. Meu deserto, o mais quente. Minha voz, a mais rouca. Meu grito, o mais desesperado. Meus olhos, os mais enrugados. Minhas armas, as mais simples. Meu medo, o mais forte. Minhas dúvidas, as mais ousadas. Minha fé, a mais abalada. Meus rios, os mais poluídos. Meu machado, o emprestado. Minha dor, a mais gritante. Minhas palavras, as mais inúteis. Meus sonhos, os mais loucos. Minha revolta, a mais conveniente. Ao meu redor, as mais traíras. Meus irmãos, os mais invejosos. Meus pecados, os mais imundos. Minha mente, a mais falha. Minhas feridas, as mais visíveis. Minha cruz, a mais pesada. Minha morte, a mais evidente. Meu sepulcro, o mais bem guardado.
            Ainda assim, me alegro. Preciso me alegrar. Não tenho o porquê de me entristecer. Porque ainda assim, o jugo do meu Mestre é suave, e Seu fardo é o mais leve. Isso que bate em mim é a fúria dos que eu tentei abraçar. Isso que me fere é a lança do capataz que perfura o meu lado, para ver as minhas últimas gotas de sangue e de água. Eu preciso gritar. Eu preciso fazer minha voz ecoar, mas as minhas forças se foram. Mesmo o jugo dele sendo suave, e o fardo dele sendo o mais leve.
            Não tenho o porquê de me lamentar. Estou no meu limite, e daí? Estou entrando em depressão. Qual o problema? Estou entre a vida e a morte. Ainda assim é um jugo suave e um fardo leve. Ainda assim é uma leve e momentânea tribulação que há de resultar em um peso de glória muito maior que isso, porque é jugo suave e fardo leve.
            Mesmo que eu não entenda. Mesmo que eu chore mais que sorria. Mesmo que minha voz esteja embargada como nunca antes. Mesmo que a morte me pareça, às vezes, uma deliciosa tentação para meu alívio, eu preciso compreender que meus caminhos são pequenos, minha mente, a mais fechada e meu coração é duro. Mesmo que eu tenha poucas forças, é jugo suave e fardo leve.
            Quanto mais difícil aparenta ser, mais me envergonho de mim mesmo, porque eu posso suportar. É jugo suave e fardo leve. Quanto mais choro, mais eu agradeço, pois, se sendo jugo suave e fardo leve, eu estou sofrendo, imaginem se a cruz fosse leve. Imaginem se minha fornalha fosse mais fria. Imaginem se fosse pesado. Meu descanso não é aqui, minha moleza não é aqui.
            Aqui a fornalha só é quente para os fiéis. A dureza ataca apenas a quem não desiste do caminho. Eu não desistirei ainda, mesmo isso tendo passado pela minha cabeça, eu não vou parar, pois é jugo suave e fardo leve.
Ozni Coelho

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Se coloque em meu lugar



Foi, com toda certeza, o dia mais intrigante de minha vida. Eu estava lá, recebendo uma incumbência muito grande. As pessoas que eu mais admiro na minha vida fazem isso, e lá estava eu, sendo convidado a fazer aquilo. Não será novidade nenhuma dizer que eu estava tremendo de nervosismo. Um sonho de infância se realizava. É claro que eu estava contente, mas aquele frio na barriga e o senso de responsabilidade eram-me torturantes. Se coloque em meu lugar agora, você já sentiu isso.

Também me recordo muito bem, quando eu estava com aquela fome aguda. Uma fome de dias, uma fome que não se saciava com alimentos sólidos nem líquidos. Uma fome que somente um tipo de alimento poderia me saciar. Ah, como foi bom quando ela foi saciada. Um alívio muito grande apoderara-se de mim. Era bom, mas muito bom mesmo. Percebi que, com fome, até aquela comida que eu não gosto passa a ser gostosa, pois o assunto é se saciar. Se coloque em meu lugar agora, você já sentiu isso.

Aquela tristeza que me machucava tanto e me fazia chorar compulsivamente no canto esquerdo do meu quarto. Aquela dor que me obrigava a me esconder numa escuridão, onde o que eu via eram apenas sombras do que me feria em meu peito. Sim, eu senti isso, era uma agonia muito grande que me fazia desejar cortes em todo o meu corpo, para ver se assim, pelos buracos, essa agonia pudesse encontrar um espaço para sair. Se coloque em meu lugar agora, você já sentiu isso.

Na parte de trás do meu pescoço, um pouco abaixo da nuca, eu sentia aquele arrepio. Minha tentativa de manter a compostura diante dos demais era frustrante, pois, mesmo sabendo agir de uma forma que eu pudesse contornar a situação, o constrangimento e a vergonha que me batiam eram tão maiores que eu, a ponto de meu rosto, tão branco e pálido, ficar vermelho. Aquilo foi uma sensação estranha. E eu convido vocês a se colocarem em meu lugar agora, pois você já sentiu isso.

E quando tudo parecia estar imperfeito? Eu queria que desse certo, eu estava apostando naquilo. Mas nada estava dando certo. Fiquei com raiva. Ódio, fúria. Não era para ser assim. Fiquei mal-humorado, estava irritado, bravo. Quis bater em tudo e em todos. Eu estava irado. Só de lembrar eu fico bravo. Estava tudo bem planejadinho, mas aquele imbecil atrapalhou tudo. E não duvido nada, você está entendendo minha situação. Isso porque você já sentiu isso.

Por estes motivos acima, vocês podem me entender, pois sou semelhante a vocês. Quando nos colocamos no lugar das pessoas que não entendemos, além de encontrarmos pontos em comum entre nós, justificamos seus atos, e não agimos como essa geração costuma agir ao julgar pessoas que choram, se isolam, tremem de nervosismo, ou ficam estressada. Pessoas que se postam no lugar de outras não cometem julgamentos sem conhecimento de causa. São, portanto, mais justas. Me perguntaram certa feita o porque de eu não sair de um ambiente sem ter a certeza de que falei com todo mundo que pode falar comigo, ou porque muitas pessoas me contam segredos que não contam a mais ninguém. Simples assim, eu me coloco no lugar da pessoa que fala comigo.

É óbvio que essa lição eu custei aprender. Até hoje, ás vezes, eu percebo que não estou executando-a em certos casos. A última vez que eu tive que compreender certas pessoas, foi quando eu vi alguém quieto em um canto. Não, ele não estava triste, ele até que estava alegre. Um sorriso em seu rosto e um olhar de expectativa. Suas mãos suavam, e sua respiração tinha um compasso acelerado demais.

Em meio às brincadeiras, às conversas, eu tinha que chamar a atenção dele para que ele se ligasse no assunto abordado, mas ele parecia gostar de ficar fitando o nada. Os pés dele se balançavam. Parecia inquieto, e de fato, ele estava. Eu não o compreendi. O julguei chamando-o de mongoloide e de trouxa. Ele parecia estar sentindo algo diferente. Poderia estar doente, ou até mesmo drogado. Mas eu não sabia o que ele tinha.

A cada toque no celular, ele olhava com uma expectativa. Com certeza, estava esperando uma mensagem importante de alguém. Mas depois descobri que não era a mensagem em si que ele aguardava, era que uma garota lhe falasse. Eu poderia citar nomes, mas fiquei com preguiça de pedir para ele a autorização. Enfim, eu fiquei curioso. Porque ele esperava tanto que uma garota falasse com ele? Aí me veio a confissão: ele a amava.

Então era isso? Tudo aquilo que ele fazia era por amar a uma garota? Isso não podia ser uma justificativa para que ele ficasse daquele jeito. Ou era? Eu não tinha ideia do que falar, nunca tinha acontecido isso comigo, por este motivo eu não pude me colocar no lugar dele. E assim me vi na liberdade de avaliar isso. Nessa procura pude ver que era patológico. Pessoas mudam suas ações em nome de “amores” que lhes surgem. Isso eu não sabia definir. Eu não dependia disso para me sentir uma boa pessoa.

Para mim é loucura. Mas nessa madrugada em que mais uma vez me mantenho acordado, relembro-me desse dia em que critiquei meu amigo por simplesmente amar a uma garota. Eu hoje posso entender aquela mudança repentina em suas atitudes, pois eu passei por isso. É estranho, principalmente para mim, que aprendi a ser mais paciente e menos calculista.

O que aconteceu comigo? Estou me tornando mais acolhedor. Eu não apenas porto em mim segredos alheios, os quais não conto a ninguém porque dei aos que me contaram a garantia de que tais informações não vazariam a mais ninguém. Mas porto também segredos meus, onde eu estou custando encontrar alguém para contá-los. Minhas mãos estão suando, no horizonte eu a vejo. E a cada toque do meu celular eu espero que seja ela do outro lado. Os minutos com ela são mais proveitosos do que tudo. Ah, isso é estranho para mim.

Não me estranhe, apenas se coloque em meu lugar, você já sentiu isso.

Ozni Coelho

terça-feira, 10 de julho de 2012

Prólogo.



Estranhei primeiro por ter dormido.
Acordei lavado em suor, como se tivesse chovido sobre mim. O som de uma respiração fraca, somado a todos os outros sons de uma noite ordinária.
 O vento no corredor e o estalo dos pequenos arbustos que batem nas portas das janelas, chamando pelas flores de dentro dos quartos do seminário vizinho. Como se quisessem brincar, não sabem que é tarde.
Será uma noite longa e agitada. Não há posição confortável.
 Não para meu corpo e menos para meus pensamentos, que dispersos no escuro, voam  e respiram esse ar que falta em meus pulmões.
Falta de educação de minha parte, não me apresentei.
Nem vou. Nunca me preocupei com a educação como a vemos por aí, falsa e premeditada.
Passei a escrever, às quatro da manhã de uma quinta qualquer, pois tenho de lhes contar uma história.Afinal, é provável que esta seja minha última chance.
Vou contá-la como foi e também como eu gostaria que tivesse sido. Afinal, assim é e será com todos que já viveram por aqui.
Sonhamos muito e realizamos pouco. Pouco para se dizer por aí.Por isso nos permitimos imaginar tanto.
Esta história é meu sonho e estando perto de partir, deixarei-a com vocês. Ela é tudo o que me resta para deixar.
O consolo vem de saber que tentamos e a admissão do fracasso surge da análise de quem fomos.
Agora tenho de me preparar para isso.Encontro com vocês no capítulo primeiro.
Até logo. 

domingo, 1 de julho de 2012

Vai passar



            Olá meus amigos. Fico contente pela vossa visita em nosso Blog. A minha alegria gira em torno de vários fatores decisivos ao rumo da minha vida e da minha existência. Tive o privilégio de ter em minha vida pessoas maravilhosas que são minha base e minha sustentação.
Os dias estão demorando cada vez mais para passar. Eu fico entediado facilmente, e tento viver o máximo possível cada segundo, o que os torna pesados e lentos em sua trajetória.
Comecei a lembrar do passado. Da amizade e do meu convívio com algumas pessoas que são, de fato, orientadoras da minha vida. Pensei na minha família, amigos, colegas, e nos meus inimigos e que me odeiam também. Percebi como muita coisa mudou de lá para cá.
Disseram-me que antes de me conhecerem, ninguém nunca imaginava que teria uma amizade comigo, isso porque achavam que eu era chato, metido, etc. Depois de me conhecerem, disseram a mim que eu não era nada do que elas imaginaram começo. Já outras pessoas disseram que ao me conhecerem mais, me acharam mais chato e insuportável. Passaram a me odiar com o tempo.
Refleti sobre isso. É algo em constante movimento. Amigos, inimigos, colegas, parceiros. Tudo isso. Nada do que é hoje será assim no amanhã. Vai mudar. Você vai conhecer muitas pessoas mais e mais, e vai perceber que ainda não conhece direito aqueles que tu achavas que conhecia bem. É porque tudo está em movimento.
Eu falava muito com algumas pessoas, e percebi que esse contato diminui bastante nesses dias. Em compensação, que eu nunca imaginava que diria ‘oi’ para mim, hoje é a pessoa que mais amo nessa vida. E ela mesma me disse algo que me deixou refletindo. Amigos vêm e vão. Depende da minha decisão se a amizade aumentará, ou diminuirá. Essa situação não será constante, vai passar. Um dia, eu sei, ela vai.
Eu me proponho a alimentar esse amor que eu sinto por ela. Eu me proponho a lutar para manter as minhas amizades, e me proponho a fazer dos meus inimigos, amigos. Isso vai ser uma tarefa impossível de se cumprir 100%, mas eu vou tentar.
Quem está no ranking de pessoas mais importantes para mim hoje, um dia sairão para darem espaço a outras pessoas. Porque tudo está em constante movimento, e um dia vai passar, assim como o tempo.

Ozni Coelho

sexta-feira, 29 de junho de 2012

De prata e de luz.



São sais, espalhando-se pelo quadro, formando o que vemos. São tais.
O que somos, além de um rascunho mal pensado do que gostaríamos de ser?
Vindos do pó, em carne fraca que morre de segundo em segundo. Somos a morte personificada, como razão da existência em si. Atores não ensaiados, sem as falas da própria vida. 
Um grande teatro, aonde sete bilhões dançam até o fim. Tantos nascem e tantos dizem adeus. Ainda assim são poucos. 
É claro que existe vida fora daqui.
 Por que ser tão prepotente ao  pensar que tanta dor propagada pelos nossos "heróis", ficaria somente aqui, entre nós? Tudo já teria tido um fim. Fim que nascemos para criar. Somos aqueles que tecem a destruição e desordem de nossas casas.
Levantamos nossas espadas para nossos pais e abaixamos nossas cabeças para falsas autoridades. 
Geração sem causa. 
Mesmo vendo tudo de fora, nós que viemos antes e descendemos de outra raiz, choramos sangue pela situação destes que nunca ouviram a voz daquele que trouxe a única verdade necessária para se viver, não somente aqui, mas em todo o universo. A lei do amor, acima de todas. 
Todos estão tão centrados em suas rotinas, tão imersos, tão distantes de si mesmos e tão próximos da estagnação total, que fecham os olhos para as simplicidades e perdem a vontade de viver, quando deixam de praticar a única ação que nos faz existir para sempre. Tornam-se verbos inúteis. 
Caindo em nosso conceito, reprovando nossas decisões. 
Há sempre uma história a ser contada e papel e caneta para escrevê-la. Então, se não acertarmos o passo e falharmos em nossa parte na construção das lembranças eternas, deixemos escritos nossos erros, para que as próximas gerações, ou civilizações, saibam o que fizemos e façam a diferença que não fomos capazes de fazer. Que aprendam com nossos erros e isso os faça acertar. Quem quer que sejam eles. 
Pois nós, de prata e de luz, desastramos nosso próprio fim. 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Gehenna



            Minha alma tem vivido perdida pela ausência. Ausência de respostas e de olhares. Isso é uma escuridão. Aquele anseio de estar ao teu lado sempre é aquilo que tem me consumido. Mas porque eu senti isso?
            Antes Hades que Gehenna. O meu temor foi concretizado. Um inferno em minha alma foi trazido. Meu tormento a cada madrugada. Seres que me impedem de dormir somente para me dizerem que estou só.
            Não está adiantando nada gritar. Aqueles a quem amei e que tanto eu quis bem, estes estão assistindo a corrosão da minha alma, o obscuro na minha vida. É difícil acreditar o quanto eu fui mole em entregar a minha vida por eles.
            As dores no meu corpo e o desamparo não são tão fortes quanto o vazio que minha alma sente. O peso da culpa que não é minha recai sobre mim. O ódio e o furor do mundo mal ferem o meu coração.
            Porque eu fui amar? Fui de um lugar intermediário para um lugar de tortura. Minhas forças se esvaíram juntamente com meu sangue. Minhas mãos foram transpassadas e meu peito perfurado.
            Eu literalmente me gastei por esse amor que me pareceu impossível. E não me arrependo. O sangue nas mãos dos que me ferem e a obscuridade do meu ser estão me fazendo ser feliz, feliz só por que quem eu amo não está em Gehenna. Estou só.
            Antes só aqui do que com ela ao meu lado aqui. Gehenna é tortura. Gehenna é dor. E ela não está aqui. Não sou egoísta. Deixe-me morrer, enquanto ela vive. Deixe-me sofrer enquanto ela está lá. Pode até estar chorando em Hades, mas deixe-me em Gehenna.
            Mas mesmo sufocado pela dor, eu clamo. Mesmo apenas sussurrando eu grito. Liberte meu coração! Deixe-me te ver ao pé desse inferno. Esteja sorrindo. Esteja em paz. E deixe que eu morra na escuridão, para que assim eu possa viver a luz, onde Gehenna não passou de um pesadelo que nunca mais terei. Teu sorriso é minha luz.
            Mesmo não sendo correspondido, valeu à pena estar em Gehenna, e não deixar o meu amor sofrer aquilo que estou sofrendo hoje. Porque essa dor é minha.


Ozni Coelho

domingo, 10 de junho de 2012

Um domingo qualquer...


Um minuto muda uma vida.
Passei os últimos sete anos escrevendo todos os dias e ainda assim sinto que nunca consigo passar o que realmente quero dizer.
É provável que essa frustração seja o motivo pelo qual não parei.
Pelos amores que não floresceram e pelos corações que nunca estiveram no tom.
Foi uma incessante busca pelos sentimentos alheios.
Entendê-los e fazer com que também entendam o mundo, como eu o vejo.
Vivem dizendo por aí que a vida só começou.
Eu a vejo como uma pequena dose do fim, que nos é dada dia após dia.
Sinto minha inutilidade ao perder a única que sempre viu o mundo pelos meus olhos.
Reparando na existência de uma flor solitária, repousando em uma árvore já velha e cansada.
Única ali e também única em mim.
A visão poética é extremamente rara em dias como os nossos.
Pena que a poesia tenha se tornado vaga e oca. Como eu, antes de te conhecer.
Assim como minhas músicas perderam o efeito. Envelheceu comigo.
Sempre haverá uma história para contar.
Uma história que tem o poder para ser como tiver vontade, pois é imaginada.
Nós podemos tecê-la conforme nossa vontade.
De olhos bem fechados, no tímido instante de um arrepio.
Isso é sobre café, olhares e sorrisos.
Suavemente distribuídos de segunda a sexta.
Iniciados em um domingo qualquer...
reticenciados até quando quiser.    

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Estou evoluindo



Nem me perguntem o porquê de eu ser assim.
Nem me perguntem o porquê de tudo estar sendo dessa forma.
Nem me perguntem onde estou ou o que faço.
Nem me perguntem o motivo das coisas que estão me acontecendo.
Nem me perguntem quais são meus medos.
Nem me perguntem o nome das pessoas que eu confio.
Nem me perguntem o que gosto de ouvir.
Nem me perguntem o que não gosto de ouvir.
Nem me perguntem o que eu penso da vida.
Nem me perguntem o motivo da minha revolta.

Enfim, eu faria de tudo para me ver livre de perguntas. Livre de questionamentos. Livre de tudo isso.
Quer saber o porquê? NÃO, não queira saber, não me faça outra pergunta! Socorro! Isso está me sufocando! Eu não sei o que fazer!

Eu poderia imaginar minhas origens. Estou me tornando outro ser. Outra criatura. Eu realmente alcancei a máquina das transições. Estou me tornando um novo ser humano. Estou alcançado um estágio doloroso.

Eu queria saber me contentar com o que tenho, mas não consigo. Penso alto. Alto demais. Sonho muito, isso é bom, mas me iludo com eles, isso é ruim.

Nem me perguntem como eu vim parar aqui, mas esses sonhos me matam aos poucos.
Estou me deteriorando! Sinto falta da minha infância, onde tudo era utopia! Sinto falta da minha ignorância e da minha inocência.

Se a vida é crescer e evoluir, e evoluir é sofrer, essa dor me faz querer regredir! Mas tudo é fruto do resto de minha ignorância. Daquela criança que habita em mim sem querer desaparecer por completo. Daquela inocência que insiste em permanecer em mim, mas que não quer tomar conta de mim.

Nem me perguntem se eu estou amando alguém, porque isso é relativo. Hoje o amor não me faz mais tanto sentido como me fazia antigamente. E detalhe, quanto mais eu o provo, mais ele me parece obscuro e desconhecido. E assim percebo que sou eu quem o deixa mais incógnito.

Nem me perguntem o que faço quando no ápice da minha dor me escondo em um quarto escuro.
Nem me perguntem o que eu estou pensando agora.
Nem me perguntem se estou bem.

Me liberta! Por favor! Socorro! É um medo fora do comum que me dopa, mas esse medo não é de nada, está em mim. Somente em mim. Você não precisa saber dele, não é da tua conta, mas ele está aqui.

Ela tem vida, e vive a falar comigo. Bendita dor. Surge em mim, trazendo-me novidade de vida e de sentimentos. Sou um novo moço, mais jovem, à medida que envelheço.

Consegui me magoar. Consegui sofrer. Não pode fazer parte de mim. Eu não estou aprendendo isso assim tão cedo. Sou novo ainda. Não posso sentir isso. Nem meus mentores passaram por isso na idade que eles estão, porque eu estou assim?

Me arrume um esconderijo! Rápido! Um lugar onde eu possa esconder minha cabeça e ocultar as lágrimas que insistem em cair. Mesmo quando fecho os olhos elas saem, porque minhas pálpebras se inundam desse rio salgado e amargo ao mesmo tempo. Amargo como esse latejar no fundo do meu peito.

LIBERTA-ME!
Pedido inútil este, afinal de contas, eu sei que estou me evoluindo.
Mas eu não pedi por isso.



Ozni Coelho

terça-feira, 29 de maio de 2012

Luta, lágrimas e suor.



É como se, por mais que escolhamos nossos caminhos, nada realmente estivesse em nossas mãos.
Tanto que vemos o tempo, vemos tudo que mudou e notamos que nossa existência parece fora de controle.
É dolorido perder e ganhar uma vida inteira. Ou mais.
O que você vai ser quando crescer?
Não importa tanto, afinal seremos sem escolha.
Simplesmente acabaremos sendo.
Sorte seria se essa estrada dependesse do nosso querer.
Eu vivi pouco e, entre milhões de contradições, agora digo que nunca fui nada do que queria ser.
Eu nunca escrevi como queria escrever, nunca cantei como gostaria de cantar, nunca andei como andaria se minha vida dependesse de mim.
Quando sua mente abre e você enxerga as inúmeras razões para que assim seja, é impossível voltar atrás.
Eu admito que mesmo fazendo, sempre fui mais medo do que coragem. Pelo menos fui superação.
Admito também que sempre fui mais cena do que verdade. Pelo menos soube atuar.
Sempre fui fuga e menos presença, mas também fui ouvido.
Eu sempre estive e não estive. Por isso sei que em quem eu deveria marcar, marquei. E, mesmo que eu me vá, sempre estarei nessas pessoas. Isso me faz descansar, mesmo que pouco.
Eu realmente sempre fui velho e nunca entendi os jovens. Parecem, por um tempo, esquecer de tudo o que lhes foi ensinado. Deixam de amar quem os criou, revoltam-se contra nada. Acreditam que a vida é para ser aproveitada e que, uma vez que o mundo pode acabar amanhã, é preciso viver o momento.
Se o mundo acabar assim, a culpa é nossa.
Nós não merecemos um mundo, já que destruímos tudo à nossa frente.
E se alguém pensa ser merecedor, espero sinceramente que quebre a cara o tanto que eu quebrei e ainda vou quebrar. Só assim, infelizmente, chegaremos em um estágio aonde valerá a pena acreditar. Por enquanto é luta.
Luta, lágrimas e suor.
Eu também admito que fui mais atitude do que raciocínio. Pelo menos soube amar.
Porque amar é isso. Todos tentam complicar e alguns até dizem que o amor é inexplicável. Não é.
Amar é perder a lucidez em pequenas doses diárias.
Isso me lembra que fui mais humilhação do que orgulho. Pelo menos mantive a calma.
Eu fui muitas coisas e hoje, no meio de toda a minha escondida incerteza, vejo que sou comum.
Estou cansado como todos, e também como todos, sigo até o fim.
Apesar do cansaço que nos domina e nos mata todos os dias.
Deitamos em nossas camas e morremos por horas. O sol vem e nos diz que é chegado o tempo de voltar a sofrer, quero dizer, viver.
Qual o objetivo de vivermos esse teste medíocre em um mundo que arruinamos, sem que sintamos toda a dor que viemos para sentir ?
Cada um por si e poucos unidos como um.
Sempre tive medo de acabar simplesmente como um sonhador, sem ver nada realizado.
Porque sempre fui mais sonho do que realidade. Pelo menos pude avistar um mundo melhor.
Agora eu sou, só, eu.
E você?
Sempre te ensinei a não dizer nada do que pudesse se arrepender eternamente.
Nunca ouviu.
Pois sempre foi mais fala do que pensamento.
Pelo menos foi feliz.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Enquanto isso eu registro



            Sem dúvida, o tempo tem sido meu principal aliado. Ele não para nunca. Nós estamos passando junto com ele. Eu estou com ele, e ele comigo. Andamos paralelos. Ele passa, eu passo. Ele muda, eu mudo.
            Eu olhei o texto do meu irmão aqui, e me espantei com o que vi. Eu não pude acreditar que ele mostrou realmente a minha visão de vida. Mesmo eu sabendo que o que ele narrou foi algo da vida dele, eu me encontrei em suas palavras. Ele falou de mim ali. Ele falou o que eu sinto hoje quando olho para mim em outra época.
            Olho para o Ozni do passado. O cara que vivia um mundo virtual. O mocinho que achava que tudo estaria em seu favor quando ele tentasse fazer qualquer coisa. Era criança. Teve uma frustração, pois ela não me quis. Eu queria voltar no tempo para poder dar esbofetear a minha cara e dizer: “seu idiota, esqueça essa babaquice sua anta!”
            Eu sei que se eu voltasse no tempo para falar a mim mesmo o que eu tinha que fazer, eu não me obedeceria. Falo isso porque eu não segui os conselhos dos experientes que queriam me guiar. Se eu não ouvia aos que eu admirava, eu ouviria a mim que sei que não passo de um verme?
            Dou graças a Deus que hoje eu sei o que eu não devo fazer. As imagens que possuo em minha mente daquela que eu acreditei no momento que era o meu primeiro amor não são tão perfeitas como ela era. Mas o problema não é esse, é que eu achava que era amor, mas era ilusão. Eu nunca amei, esse foi o fato. Eu não sabia diferenciar o amor da simples vontade de estar com a pessoa.
            Diferentemente de alguns outros, eu tenho registros. Eu marco tudo o que sinto. Tenho cadernos e mais cadernos que possuem em suas páginas alguns relatos dos meus sentimentos e dos meus pensamentos. Eu sempre escrevo o que aparece dentro de mim. É óbvio que eu escondo cada sentimento em mensagens subliminares e as espelho nesse blog em meus textos.
            Eu comecei a escrever esse blog. Cada palavra que eu escrevia era uma forma de eu agir como um administrador desse blog. Eu fazia desse blog um carro, o qual eu amava dar a direção a ele. Sentimentos? Isso não fazia parte de mim, até que enfim, ela apareceu. Eu achava que tinha amado antes, mas descobri que nunca amei. Ela apareceu a mim, e o amor nasceu.
            Não, eu não a amo, mas a certeza de que eu amei continua em mim. Agora, nenhuma das que surgem em minha vida podem transmitir a mim o que o meu primeiro amor me transmitiu. Sim, ela foi o meu primeiro amor. Sou grato a ela, porque, mesmo não dando certo, ela me ensinou a amar. Pode parecer piada, mas é sério. Eu tenho registros nesse blog. Nasceu um bosque em Petra, nesse texto eu já descobri o amor.
            O amor não me tornou sentimental, nem mesmo me fez analisar as estrelas e nem as flores. Eu não precisei disso. O meu caderno mostra isso. Eu simplesmente senti uma vontade de me doar inteiramente a ela. Quis ser útil. Ela foi a minha vida. Vê-la sorrir foi meu pagamento, até que eu não consegui ser 100% bom para ela.
            Ela foi meu primeiro amor, mas passou. Talvez não fosse o certo. Talvez não fosse o tempo certo para amar, mas amei. E hoje eu tenho a base do amor em mim, esperando encontrar em outra pessoa o que eu encontrei nela. Hoje eu tenho uma base do amor, o meu erro é querer sentir por outras o mesmo que eu senti na primeira vez que amei. Isso me falta. Isso me faz ser mais irresponsável com os sentimentos alheios.
            Agora eu estou volvendo meus olhos às minhas anotações passadas, para encontrar uma resposta aos meus questionamentos e aos meus sentimentos. Eu luto e espero que a vitória no final dessa pesquisa seja melhor que o primeiro amor. Porque eu não suporto mais esse silêncio.
            Eu não quero me atrair, eu quero amar, é pedir muito? Deus, por favor, livra-me das dúvidas antes que eu me livre de mim mesmo.
            Mas enquanto eu não me livro nem de um nem de outro, eu vou registrando cada detalhe para ter o que fazer amanhã.

Ozni Coelho...