Foi, com toda certeza, o dia mais
intrigante de minha vida. Eu estava lá, recebendo uma incumbência muito grande.
As pessoas que eu mais admiro na minha vida fazem isso, e lá estava eu, sendo
convidado a fazer aquilo. Não será novidade nenhuma dizer que eu estava
tremendo de nervosismo. Um sonho de infância se realizava. É claro que eu
estava contente, mas aquele frio na barriga e o senso de responsabilidade
eram-me torturantes. Se coloque em meu lugar agora, você já sentiu isso.
Também me recordo muito bem, quando eu
estava com aquela fome aguda. Uma fome de dias, uma fome que não se saciava com
alimentos sólidos nem líquidos. Uma fome que somente um tipo de alimento
poderia me saciar. Ah, como foi bom quando ela foi saciada. Um alívio muito
grande apoderara-se de mim. Era bom, mas muito bom mesmo. Percebi que, com
fome, até aquela comida que eu não gosto passa a ser gostosa, pois o assunto é
se saciar. Se coloque em meu lugar agora, você já sentiu isso.
Aquela tristeza que me machucava tanto e
me fazia chorar compulsivamente no canto esquerdo do meu quarto. Aquela dor que
me obrigava a me esconder numa escuridão, onde o que eu via eram apenas sombras
do que me feria em meu peito. Sim, eu senti isso, era uma agonia muito grande
que me fazia desejar cortes em todo o meu corpo, para ver se assim, pelos
buracos, essa agonia pudesse encontrar um espaço para sair. Se coloque em meu
lugar agora, você já sentiu isso.
Na parte de trás do meu pescoço, um
pouco abaixo da nuca, eu sentia aquele arrepio. Minha tentativa de manter a
compostura diante dos demais era frustrante, pois, mesmo sabendo agir de uma
forma que eu pudesse contornar a situação, o constrangimento e a vergonha que
me batiam eram tão maiores que eu, a ponto de meu rosto, tão branco e pálido,
ficar vermelho. Aquilo foi uma sensação estranha. E eu convido vocês a se colocarem
em meu lugar agora, pois você já sentiu isso.
E quando tudo parecia estar imperfeito?
Eu queria que desse certo, eu estava apostando naquilo. Mas nada estava dando
certo. Fiquei com raiva. Ódio, fúria. Não era para ser assim. Fiquei
mal-humorado, estava irritado, bravo. Quis bater em tudo e em todos. Eu estava
irado. Só de lembrar eu fico bravo. Estava tudo bem planejadinho, mas aquele
imbecil atrapalhou tudo. E não duvido nada, você está entendendo minha
situação. Isso porque você já sentiu isso.
Por estes motivos acima, vocês podem me
entender, pois sou semelhante a vocês. Quando nos colocamos no lugar das
pessoas que não entendemos, além de encontrarmos pontos em comum entre nós,
justificamos seus atos, e não agimos como essa geração costuma agir ao julgar
pessoas que choram, se isolam, tremem de nervosismo, ou ficam estressada.
Pessoas que se postam no lugar de outras não cometem julgamentos sem
conhecimento de causa. São, portanto, mais justas. Me perguntaram certa feita o
porque de eu não sair de um ambiente sem ter a certeza de que falei com todo
mundo que pode falar comigo, ou porque muitas pessoas me contam segredos que
não contam a mais ninguém. Simples assim, eu me coloco no lugar da pessoa que
fala comigo.
É óbvio que essa lição eu custei
aprender. Até hoje, ás vezes, eu percebo que não estou executando-a em certos casos.
A última vez que eu tive que compreender certas pessoas, foi quando eu vi
alguém quieto em um canto. Não, ele não estava triste, ele até que estava
alegre. Um sorriso em seu rosto e um olhar de expectativa. Suas mãos suavam, e
sua respiração tinha um compasso acelerado demais.
Em meio às brincadeiras, às conversas,
eu tinha que chamar a atenção dele para que ele se ligasse no assunto abordado,
mas ele parecia gostar de ficar fitando o nada. Os pés dele se balançavam.
Parecia inquieto, e de fato, ele estava. Eu não o compreendi. O julguei
chamando-o de mongoloide e de trouxa. Ele parecia estar sentindo algo
diferente. Poderia estar doente, ou até mesmo drogado. Mas eu não sabia o que
ele tinha.
A cada toque no celular, ele olhava com
uma expectativa. Com certeza, estava esperando uma mensagem importante de
alguém. Mas depois descobri que não era a mensagem em si que ele aguardava, era
que uma garota lhe falasse. Eu poderia citar nomes, mas fiquei com preguiça de
pedir para ele a autorização. Enfim, eu fiquei curioso. Porque ele esperava
tanto que uma garota falasse com ele? Aí me veio a confissão: ele a amava.
Então era isso? Tudo aquilo que ele
fazia era por amar a uma garota? Isso não podia ser uma justificativa para que
ele ficasse daquele jeito. Ou era? Eu não tinha ideia do que falar, nunca tinha
acontecido isso comigo, por este motivo eu não pude me colocar no lugar dele. E
assim me vi na liberdade de avaliar isso. Nessa procura pude ver que era
patológico. Pessoas mudam suas ações em nome de “amores” que lhes surgem. Isso
eu não sabia definir. Eu não dependia disso para me sentir uma boa pessoa.
Para mim é loucura. Mas nessa madrugada
em que mais uma vez me mantenho acordado, relembro-me desse dia em que
critiquei meu amigo por simplesmente amar a uma garota. Eu hoje posso entender
aquela mudança repentina em suas atitudes, pois eu passei por isso. É estranho,
principalmente para mim, que aprendi a ser mais paciente e menos calculista.
O que aconteceu comigo? Estou me
tornando mais acolhedor. Eu não apenas porto em mim segredos alheios, os quais
não conto a ninguém porque dei aos que me contaram a garantia de que tais
informações não vazariam a mais ninguém. Mas porto também segredos meus, onde
eu estou custando encontrar alguém para contá-los. Minhas mãos estão suando, no
horizonte eu a vejo. E a cada toque do meu celular eu espero que seja ela do
outro lado. Os minutos com ela são mais proveitosos do que tudo. Ah, isso é
estranho para mim.
Não me estranhe, apenas se coloque em
meu lugar, você já sentiu isso.
Ozni Coelho