quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Jugo suave e fardo leve



            Minha fornalha é a mais aquecida. Meus leões, os mais famintos. Meu gigante, o mais temido. Meus inimigos, os mais numerosos. O meu mar, o mais bravio. O meu barco, o mais frágil. Minha noite, a mais longa. O meu sono, o mais curto. Meu deserto, o mais quente. Minha voz, a mais rouca. Meu grito, o mais desesperado. Meus olhos, os mais enrugados. Minhas armas, as mais simples. Meu medo, o mais forte. Minhas dúvidas, as mais ousadas. Minha fé, a mais abalada. Meus rios, os mais poluídos. Meu machado, o emprestado. Minha dor, a mais gritante. Minhas palavras, as mais inúteis. Meus sonhos, os mais loucos. Minha revolta, a mais conveniente. Ao meu redor, as mais traíras. Meus irmãos, os mais invejosos. Meus pecados, os mais imundos. Minha mente, a mais falha. Minhas feridas, as mais visíveis. Minha cruz, a mais pesada. Minha morte, a mais evidente. Meu sepulcro, o mais bem guardado.
            Ainda assim, me alegro. Preciso me alegrar. Não tenho o porquê de me entristecer. Porque ainda assim, o jugo do meu Mestre é suave, e Seu fardo é o mais leve. Isso que bate em mim é a fúria dos que eu tentei abraçar. Isso que me fere é a lança do capataz que perfura o meu lado, para ver as minhas últimas gotas de sangue e de água. Eu preciso gritar. Eu preciso fazer minha voz ecoar, mas as minhas forças se foram. Mesmo o jugo dele sendo suave, e o fardo dele sendo o mais leve.
            Não tenho o porquê de me lamentar. Estou no meu limite, e daí? Estou entrando em depressão. Qual o problema? Estou entre a vida e a morte. Ainda assim é um jugo suave e um fardo leve. Ainda assim é uma leve e momentânea tribulação que há de resultar em um peso de glória muito maior que isso, porque é jugo suave e fardo leve.
            Mesmo que eu não entenda. Mesmo que eu chore mais que sorria. Mesmo que minha voz esteja embargada como nunca antes. Mesmo que a morte me pareça, às vezes, uma deliciosa tentação para meu alívio, eu preciso compreender que meus caminhos são pequenos, minha mente, a mais fechada e meu coração é duro. Mesmo que eu tenha poucas forças, é jugo suave e fardo leve.
            Quanto mais difícil aparenta ser, mais me envergonho de mim mesmo, porque eu posso suportar. É jugo suave e fardo leve. Quanto mais choro, mais eu agradeço, pois, se sendo jugo suave e fardo leve, eu estou sofrendo, imaginem se a cruz fosse leve. Imaginem se minha fornalha fosse mais fria. Imaginem se fosse pesado. Meu descanso não é aqui, minha moleza não é aqui.
            Aqui a fornalha só é quente para os fiéis. A dureza ataca apenas a quem não desiste do caminho. Eu não desistirei ainda, mesmo isso tendo passado pela minha cabeça, eu não vou parar, pois é jugo suave e fardo leve.
Ozni Coelho

Um comentário:

  1. Aqui a fornalha só é quente para os fiéis. A dureza ataca apenas a quem não desiste do caminho.

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