terça-feira, 7 de maio de 2013

Gamma Trianguli Australis




183 anos-luz daqui,
você dança na superfície de uma estrela a morrer.
Ao sentir a falta tua, quem irá ousar sorrir?
Ao sentir a falta minha, quem sou eu? quem é você...

Eu sou o resto de cada verso escrito,
falando de um amor mortal ou paixão adoecida.
Você, acima de toda poesia, um sorriso infinito,
iluminando o rosto do humano que passa a conhecer a vida.

A morte em si,
um complexo, em compreensão humana, inalcançável...
Voltado para o fim desde o seu iniciar.

A beleza em ti,
facilmente encontrada em toque afável...
Sonhando com o início desde o seu findar.

Sonhando com o fim desde o teu amar.

segunda-feira, 11 de março de 2013

A trilha e o fator constante




A verdade é que no meio de todas aquelas cartas, via-se claramente a tentativa compulsiva de persistir crendo no que não passava de uma ilusão personificada. 
Eram poucos os gestos que a motivariam a desistir de uma ideia tão altruísta. Era tão lógico que se tratava de uma desconstrução total daquilo que ela conhecia como vida. O problema é que eram também poucas as razões que a fariam continuar trilhando o caminho em que estava.
Pense em alguém que viveu boa parte de sua existência caminhando na lama. Faz sentido que essa pobre criatura queira lavar os pés. 
Mas, mudar o caminho para um aonde exista somente água... Não fará com que ela viva com os pés molhados? 
O que quero dizer é simples. Seja na lama, ou na água, seus pés estarão sujos ou para sempre molhados. Não há meio termo e, exatamente por não haver, não há razão para tentar mudar a realidade para a qual você foi designado. 
Alguns caminham sobre pedras, outros sobre ovos e os mais sortudos, sobre penas. 
(Fique explícito que isso não te impede de cair através delas). 
Sempre haverá dor. Este é o fator constante. Pois o ser humano, busca, mesmo que aos tropeços, o equilíbrio no meio em que vive. Porém, nunca encontrará o equilíbrio dentro de si. Pois é disso que essa vida se trata. Do teste, da dor, do sangue e do suor de quem espera por algo bom, mas no fundo sabe que esta lama sempre estará entre os dedos de seus pés. Até o fim desses dias. 
Não é fácil entender ou, mesmo entendendo, aceitar este fato. Muitos discutem e tecem suas teorias otimistas, entrelaçadas com fios de vento. 
Mas não há vento que atravesse o concreto e este é um fato concreto. 
Você nasce provocando dor e morre deixando a dor pra trás. 
Aqueles que ficam choram porque você se foi. 
Mas você sorri. Liberto do sofrer, enfim. 
Por isso é necessário viver... 
É preciso passar no teste.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Ela


Há sempre esse descolorir em escalas na curta duração da vida humana. Assim como há o anseio pela imortalidade. Como se o ter mais tempo fosse o suficiente para encontrar as respostas para todas as perguntas que são feitas ao longo dos anos. 

A verdade é que o tempo é apenas uma concepção criada pelo homem para medir sua frustração. São os próprios destruidores do amanhã. Um ser frágil e mortal, que tem como objetivo de vida arruinar tudo ao seu redor, consciente ou inconscientemente. 

Porém, apesar de todos os fatos pelos quais qualquer ser de força maior teria toda a razão em dissipar toda a humanidade, esse ser humano medíocre pode abrigar sentimentos divinos. A começar e terminar pelo Amor, que envolve e é o centro de todas as coisas.  

Algum tempo atrás, enquanto eu escrevia as últimas palavras de um primeiro rascunho de história curta, vi o quanto seria ridículo se o amor fosse a perfeição na qual eu situei as personagens da história. O verdadeiro romance reside na imperfeição de cada dia e, juntas, essas imperfeições acumuladas criam uma história de amor humanamente admirável. 

O ser humano ama muito, justamente por não viver quase nada. O que são 80 anos na história do universo? Não fazem grande diferença. Mas o amor propagado por alguns desses seres, faz. Foi assim que homens como Chaplin, Gandhi e Martin Luther King entraram para a história. 

Tendo como base para seus pensamentos o amor eterno e imutável, que seria o suficiente para curar a humanidade e acabar com todas as diferenças entre um e outro, apontadas constantemente pelo próprio homem. Viveríamos como um em um todo. Não em um conto de fadas moderno feito para o comércio, baseado em todas as inseguranças dos gêneros, atraindo milhões de pessoas que vivem todos os dias sentindo-se menores do que realmente são. Todos esses pequenos deveriam sentir-se grandes simplesmente pela capacidade transcendental de amar. 

Soando ou não como uma grande bobagem, não vejo poesia nisso de ' primeiro olhar - amor eterno'. Nesses termos só é encontrada a lógica em um mundo de sonhos, aonde unicórnios fazem malabarismos com bolos de chocolate, enquanto sapateiam. Mas há poesia na procura. 

Há poesia em, após sete mil olhares, encontrar aquele em que ver o seu reflexo não te faz querer fugir de si mesmo. São olhos que te abraçam e confortam a sua alma. Afinal, ela já estava cansada de rondar por aí, tentando não te fazer desviar do caminho. 

É nessa hora que você percebe que todos aqueles sorrisos anteriores eram somente a sombra projetada pela luz do sorriso daquela que seria o centro de toda a sua poesia, até a consumação dos séculos. Aí você para, observa e percebe que a eternidade não vem do não morrer e sim do viver com a dona desses olhos. Sejam eles castanhos, azuis ou verdes. No fim do dia é tudo sobre 'Ela'. E se me perguntarem quem é ela, eu só posso dizer: 'Você sabe quem'. 

E saberão. Pois seus olhos já responderam essa pergunta um milhão de vezes. 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O amor reforma

Já estou cansado de perder amigos para a morte. Já estou cansado de ver verdades sendo colocadas sob os panos quentes das mentiras e especulações inúteis dos meros humanos simplórios que nem nós, mas que se sentem importantes demais diante da vida.

Já estou cansado da mídia, que cauteriza a violência e a falta de afetuosidade com o próximo na mente da massa de manobra. Já estou cansado de ver prioridades invertidas e formas alternativas de se escapar da realidade.

Já estou cansado de reclamar, da mesma forma que cansei de ficar calado. Já cansei de chorar, já cansei de gritar ao vento e esmurrar móveis no auge da minha agonia.

O que nos falta é uma novidade. Uma boa nova, que deu origem a tudo. Algo que mude mentes e transforme corações. Algo que derrube gigantes e faça milagres no homem. Algo que una aos homens dispersos, e harmonize-os num mundo que acabará sendo utópico por sua paz tão sonhada.

Dizem que o erro mais grave e mais comum que cometemos é a omissão. Somos omissos ao não tentarmos melhorar a situação por acharmos que nada vai mudar.

Não se trata apenas de princípios religiosos, trata-se de ser humano. Fraterno. Confiança e harmonia. Falo de amor.

Ultimamente o amor tem sido o alvo de meus textos e reflexões. O tempo em que vivemos é um tempo de muitas crises pessoais, e de muito desamor. Homens amantes de si mesmos, que preferem mais o seu lazer e bem-estar do que a paz e o amor.

Infelizmente o amor desapareceu do coração dos homens, e está desaparecendo do coração dos que pregam o amor, e por isso, eles se omitem. Quem ama, mesmo que seus esforços não surtam efeito instantâneo, não cessa de lutar, e abandona a omissão.

O amor reforma tudo isso. Muda essas situações catastróficas e faz um bem muito grande ao homem. O amor é antigo, mas se renova em nós. Ele soluciona problemas e coloca em pé de igualdade a todos os diferentes.

O amor caracteriza a personalidade do próprio Deus. O amor é o próprio Deus!
O amor é sofredor, é benigno, não é invejoso, não busca seus próprios interesses, não suspeita mal, não se vangloria, não se ensoberbece, não arde em ciúmes, não se ira facilmente, tudo sofre, tudo crê, tudo suporta.

Vamos espalhar o amor, pensar no próximo, apregoar verdades e viver a Boa Nova, porque o amor reforma.


Ozni Coelho

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Lago de Gehenna


         Eu sinto medo. Medo de minhas fraquezas se mostrarem mais fortes que minhas forças. Sinto vontade de saltar desse morro em que me encontro. Onde o ar é rarefeito e a respiração é pesada.
Desde quando tive coragem de mostrar meus medos? Desde quando tive força para falar que sou fraco? Desde quando tive humildade para assumir que sou orgulhoso?
 Ao passo que meus problemas se tornam relevantes para mim, aqueles a quem prometi ajudar estão morrendo e se matando por aí. Ao passo que minha vida fica cada vez mais subjugada a meus problemas e erros, vidas são ceifadas ao redor do globo terrestre. Isso ninguém tem coragem de falar não é?
Observei tudo ao nosso redor. Problemas, catástrofes, mortes, perdas e derrotas. Há, também, momentos em que as pessoas tentam desviar seus olhos da realidade, na busca de momentos de lazer e de distrações e prazeres que passarão, trazendo ressacas, overdoses, cirroses e estresses.
Ao passo que o mundo pula em seus carnavais, festas, shows e bailes, seus chãos se afundam, onde o fim é o abismo, onde o lago é uma mistura de fogo com enxofre. Onde a morte habitará, e se tornará impotente. Onde o inferno sofrerá por suas ações, e Tártaros será desejado pelos seus antigos habitantes, tudo porque eles mergulharão no Lago de Gehenna.
Alguém ainda quer me fazer parar de chorar? Alguém ainda quer me consolar? Suas festas não estão me adiantando de nada! Suas diversões me deprimem! Suas piadas me proporcionam sorrisos passageiros! Seus passatempos me causam asco! Suas palhaçadas me fazem ter peso na consciência no final!
Não posso sorrir e permanecer sorrindo enquanto bilhões de pessoas vão dar um mergulho no Lago de Gehenna! Não posso aceitar que pessoas se matem e se deixem matar e morrer, mergulhando naquele lago.
Não cometam o erro de achar que suas danças vão me curar. Não cometam o erro de pensarem que saltos, pulos, e outros prazeres, que não é lícito no momento definir e descrevê-los.
Sempre procuramos um culpado, sempre queremos atribuir toda a culpa aos outros, para nos esquivarmos de responsabilidades, mas a culpa é nossa. Não tem jeito. Precisamos assumir isso, até porque, na lista negra de Satã, somos os próximos alvos. Na lista negra demoníaca, somos o alvo principal.
Corremos sérios riscos. Estamos nas mãos do tempo, sendo subjugados a dores, ao assumir que o mundo machuca mais que abraça. Não seremos abraçados. Seremos pisoteados na primeira oportunidade que eles tiverem, seremos arremessados no ago de Gehenna no primeiro descuido. Por este motivo, não posso entrar nesse meio, mas puxá-los até mim.
Ao passo que O Lago de Gehenna transborda, novos mergulhadores vão até lá e se lançam de uma vez por todas.
Ainda querem que eu fique bem? Ainda querem que eu melhore? Nem pensar! Coloquemos vestes de lamento! Os homens, por mais que se sintam iluminados, estão em tenebrae e vivem em trevas na cova de acesso ao Lago de Gehenna.
Enquanto pessoas mergulham lá, infelizmente, estou sentado diante de um computador, a digitar estas palavras de revolta. Enquanto pessoas mergulham lá, as redes sociais estão cheias de baboseiras que de nada trazem edificação. Enquanto pessoas mergulham lá, estamos tentando nos distrair.
Não tentem me fazer esquecer os que morrem. Apenas me ajudem a tirá-los de lá. Mesmo que nos matem, mas não será no Lago de Gehenna, e sim no Monte Caveira.

Ozni Coelho

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Uma parte do passar



Digo: ‘Canto por aqueles que serão ou não serão’,
Mas o tempo, correndo então,
Subitamente ofereceu-me sua trêmula mão e disse:
‘ Qual o significado daquilo que vistes?
Sei que estou apenas de passagem,
Mas necessito saber:
Se não é através de mim, como podes ainda viver?’.

‘Vivo porque amo’, respondi,
Enquanto isto faço, vejo e experimento,
Aquilo que nunca antes vi’.
‘Mas há tanto assim para ver?’,
Questionou o tempo, inconsolável,
Sem sequer me conhecer.  

‘Você passa por aqui e também por lá,
Não é esta sua razão de ser?
Eu, por minha vez,
Também tenho de passar, tanto quanto,
E exatamente como você’.

‘Mas por que passas por aqui agora
Aonde a hora nunca deixa a vida em paz?’
‘Trato de um papel representado.
Fui aqui um enviado,
Para que já não haja um ‘nunca mais’.
Para que a vida trate de si mesma,
E talvez você perceba,
Que o que deve é ir atrás’.

‘Mas, quem és tu, jovem rapaz?
Há tanto me questiono,
Mas não pude perguntar.
E onde estava?
Seria aonde Eu não posso estar?’

‘Sou a vida e a morte,
Meu velho e novo amigo,
Amigo que insiste em se arrastar.  
E sim, lá eu estava.
E é para lá que tenho de te levar’.

As lágrimas do tempo,
Ainda molham as sepulturas
Aonde em horas tão escuras
Tantos reuniram-se para chorar.

Desde então o tempo morre.
Pois todo dia de mim socorre,
Uma vida para amar. 

Desde então o tempo corre,
Pois todo dia em mim morre,
Uma parte do passar.  

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

VII - FINAL



“Fui criado às escondidas. Minha imagem não agradaria a muitos. Nunca soube sobre meus pais nada além do que foi dito pelo professor. ‘ Eram filhos da ordem, descendentes do sangue do primeiro filho do Homem. Copularam para gerar aquele que precederia o libertador renascido’, ele disse.  Fui moldado para acreditar que este era eu. Segundo os ‘anciões’, como eram chamados os membros mais antigos,  eles descendiam do sangue dos irmãos do homem de Nazaré e, para que se cumprisse a profecia, Ele retornaria através desse sangue. Por isso, como o Batista,  seu ‘lugar-tenente’ deveria partilhar também de seus genes.  Eu era o escudeiro prometido e deveria decifrar o enigma que nos diria como abrir a cápsula metálica que guardava  o sangue da mãe do mestre. 

A ordem deveria ser mantida por cinco homens e duas mulheres em cada sede, alcançando todos os países do mundo. Eram sempre sete. O objetivo principal era manter os genes dos descendentes da casa de Davi intactos e puros ao longo dos séculos. O que exigia aquilo que hoje reconheço como uma abominação: O incesto. As lunações eram sempre manipuladas para que das uniões nascesse um casal, que deveria gerar outro casal. Porém os anciões diziam: ‘Quando o ventre de uma mulher, bendita entre todas, gerar um primogênito de pupilas vermelhas, este virá para decifrar o enigma e dar novamente a vida àquele que havia de vir. Não precisaremos esperar por outro‘.  

Bem, eu nasci e, comigo, a espera em todas as sedes do mundo havia acabado.  Fizeram-me acreditar que eu descodificaria as palavras do pergaminho que supostamente havia sido escrito por Tiago, irmão do mestre e fundador da ordem. Ele a teria disseminado pelo mundo antigo, na companhia de sua irmã, Rute, quatro dos discípulos e, por último, uma rameira. Uma rameira que conquistou grande fama entre os seguidores do evangelho. Por isso, não direi seu nome. Que a imaginação flua até a resposta. 

Os quatro discípulos, pioneiros do colégio apostólico, guardavam o sangue. O ‘rubro celeste’, assim chamado, foi passado de geração em geração através dos milênios, sempre por quatro líderes, em uma arca forjada em aço alexandrino. Esta seria retirada de seu protetor, conhecido como ‘guardião vermelho’, somente após o nascimento do escudeiro que, em idade adulta, deveria abri-la ao desvendar o já dito enigma. Uma vez aberto, o DNA conservado deveria ser misturado em laboratório à semente do escudeiro e uma ‘virgem’, previamente escolhida pela ordem, carregaria aquele que lideraria as nações a um novo plano de evolução. Nas palavras da profecia: 

‘Setenta semanas estão decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia, e para ungir o santíssimo.
Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o ungido, o príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; com praças e tranqueiras se reedificará em tempos angustiosos.  
E depois de sessenta e duas semanas será cortado o ungido, e nada lhe subsistirá; e o povo do príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até o fim haverá guerra; estão determinadas assim as assolações’. 

O tempo passou e a virgem já havia sido escolhida. Uma jovem gerada nos termos da ordem. Ela havia sido adotada por uma família comum por medidas de segurança, caso algo fugisse dos planos.  

Após o nascimento da criança, eu deveria trazer as ditas ‘assolações’ ao mundo. Fui treinado para isto.  Eu deveria preparar o caminho para que, quando Ele crescesse, assumisse o trono de Davi.  Reinando sobre todas as nações. Criando uma nova ordem internacional. O novo céu e a nova terra.  

Porém, no quinto dia do mês em que completei a idade na qual eu receberia o enigma em mãos, o trigésimo ano, estando eu entre os anciões, tendo tomado o  ‘chá da verdade’, abriram-se os céus e tive visões. Recordo do que nelas A VOZ disse: 

‘Eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo que emitia labaredas, e um resplendor ao redor dela; e do meio do fogo saía uma coisa como o brilho de âmbar. 
E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem; cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e todos quatro tinham seus rostos e suas asas assim: Uniam-se as suas asas uma à outra; eles não se viravam quando andavam; cada qual andava para adiante de si; À mão direita todos os quatro tinham o rosto de leão, e à mão esquerda todos os quatro tinham o rosto de boi; e também tinham todos os quatro, o rosto de águia; Assim eram os seus rostos. Andavam para onde o espírito havia de ir e nunca se viravam. No meio dos seres viventes havia uma coisa semelhante a ardentes brasas de fogo, ou a tochas que se moviam por entre os seres viventes; e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâmpagos. E os seres viventes corriam, saindo e voltando, à semelhança de um raio’.

Outra voz, mais afável, disse enquanto o chá ainda surtia seu efeito alucinógeno: ‘Os quatro seres que caminham sempre em frente, são os homens que deve deter. O fogo que resplandece é a virgem. O relâmpago que dela sai é aquele que, mesmo sendo filho de sua semente, não deve deixar nascer. Impeça também aquela que lhe traria à vida e a ajuda que receberia. Assim estará no caminho da luz. Não é assim que o verdadeiro Filho do Homem retornará. Impedi-los é sua verdadeira missão. O salário do pecado é a morte. Depois de concluída, acabará também consigo mesmo, para que encontre aqui sua recompensa’.

As palavras foram gravadas em minha mente e foi nesse momento, durante a reunião do conselho da ordem na faculdade, que reconheci o meu real objetivo. A madrugada daquele sábado havia sido escolhida para gerarmos em laboratório o ‘Relâmpago’, ‘Filho do fogo’ da virgem, através de minha semente e do ‘rubro celeste’. Porém, minha verdadeira missão naquela madrugada era acabar com a vida dela. Uma jovem professora, fruto também de um relacionamento incestuoso. Criada como uma criança normal, mas nascida para servir a Ordem. E, como foi dito, o chamado foi recebido às 3 horas da manhã.  Sabendo do meu fim, deixei dicas para que me encontrassem, mesmo tendo em mente que era o plano do Destino que a missão fosse cumprida. Por isso, os outros três professores, protetores do sangue e do enigma que revelei, também foram mortos, como creio que viram. Como em toda sede da ordem, havia também a ‘rameira’, a última professora, que seria a responsável pelo parto. Esta queimou até a morte junto de seu parceiro e irmão, afinal não queria ela parir o relâmpago das pernas do fogo?  

Um deles, na hora de sua morte, disse: ‘ Isto não parará a ordem’. Esta é a verdade. As sedes de todos os países agora esperam novamente a vinda do próximo escudeiro que revelará uma vez mais o enigma. Cápsulas de segurança são guardadas em cada uma delas com amostras do rubro celeste. O que fiz foi adiar os planos. Mas isso o tempo dirá. Eles seguem pelo mundo. 

Tendo, por hora, cumprido meu objetivo, encerro minha carreira e entrego minha vida. Que esta história fique de exemplo para os que pensam carregar a verdade. Ele virá quando vier. 7 planejaram juntos a ascensão do relâmpago, por isso 7 devem morrer e EU SOU o sétimo detentor do segredo. 

Não queiram saber minha identidade. Não fará diferença. Pela lei, eu sou ninguém. Sou nada. Sou zero absoluto. 

Deixo, por último, uma pequena e última peça: ‘Um enigma de milênios só é resolvido por uma mente que reconhece a história que ele carrega. Alguém que leia além das palavras e conheça os acontecimentos do passado do mestre. Procure no corpo do jovem que entregou a vida pela causa. Creio que aquele que tiver em mãos este caderno saberá o que fazer com isto’. 

‘Eu sou’ já não existe. Esqueçam o homem e pensem nas razões de seus atos. Há honra nessas mortes. Incluindo a minha. 

 Adeus“.  

Estas foram as palavras deixadas por ele no caderno de capa preta. Eu poderia dizer o que vi quando cheguei ao galpão, mas isso nada mudaria. ‘O assassino que cometeu suicídio’. A mídia já havia explorado a situação o suficiente. Ele queria que todos soubessem a razão e eu entreguei esta razão ao povo. 

Guardei para mim somente as palavras ditas naquele telefonema logo antes da morte de Eu sou: ‘Minha missão termina aonde a sua começa’. 

Eu sabia que, se realmente quisesse fazer a diferença, deveria buscar saber mais. Deveria parar a ordem. Como? Naquele momento eu não sabia.

A resposta estava enterrada a sete palmos, em alguma parte do corpo do rapaz que nos recebeu na biblioteca da faculdade destruída.  

Porém, esta é outra história. A história de como eu soube.

Este é o fim.

Por enquanto. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

VI



Tinha o caderno de capa preta em mãos desde o momento em que o encontrei.

Após todo o ocorrido, enquanto todos dormiam, enquanto todos sonhavam, lá estava eu. Ainda não havia lido, mas sentia a verdade que percorria minhas veias como um soro. Todos os fins são facilmente reconhecíveis. Primeiro sentimos no ar uma pausa e os movimentos tornam-se previsíveis. Tudo segue o caminho para uma conclusão que todos presumem.   Nos olhos, há uma cumplicidade. Trabalhamos juntos e sabemos que o trabalho tece o próprio desfecho. Fomos avisados e o sangue foi derramado em nossas mãos.

Era novamente um sábado quando, no horário nobre da televisão, durante um programa policial sensacionalista, enquanto o jovem apresentador falava sobre a explosão da faculdade, a produção recebeu uma ligação. A voz, que já nos era tão familiar, ressoou para que todos ouvissem. Um salto de audiência. Ele pediu para que o apresentador mediasse uma ligação com o comandante da polícia e, rindo, disse que não havia a necessidade de um rastreamento, pois seu objetivo era um encontro ‘amigável’. Disse:

‘ Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arde até o mais profundo do Sheol, e devora a terra com o seu fruto, e abrasa os fundamentos dos montes. Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo, não há razão para que eu poupe a vós, escarnecedores. Liberto-os da vida ao lado destes pobres inúteis que criaram a ordem, para que, os que assim quiserem, possam atingir o Alto. Combati o bom combate e agora minha carreira aproxima-se do fim. Aquele que tem em mãos as minhas páginas, saberá a razão de toda vida perdida para o ganho final’.  

Ele pediu para que o encontrassem no galpão e desconectou a ligação. Já tinha tudo programado.  

A polícia e a mídia foram quase que inteiramente deslocadas. Fui designado para permanecer na central com uma patrulha. Não imaginava o que isso me traria. O destino piscava um olho, irônico. Uma equipe reforçada foi enviada ao lugar e, como um grande sarro final, eu começava a ler suas profecias no caderno, enquanto ele agia para que elas se cumprissem. Tudo ao mesmo tempo. Eu era aquele que ‘segurava suas páginas’. Eu sabia a razão, enquanto ele terminava aquilo que começou debaixo dos olhos de todos, sem nunca ser capturado. Até o momento. Só não imaginávamos como se daria sua captura. Se é que assim podemos chamar o ocorrido. 

Eu lia e as sirenes distanciavam-se, correndo ao encontro da morte. Apressavam-se para a exposição de mais uma obra de arte do museu demoníaco de Eu Sou.  Mas, o que lá os esperava, já estava escrito naquelas folhas. Não havia muito. Somente o suficiente.Terminei de ler e, com o coração estarrecido, compreendi. Chorei um choro amargo ao assimilar o motivo desconexo de tanta morte e destruição. O telefone tocou. Atendi. Congelei. O relógio corria apressadamente para o segundo conclusivo.

‘ Agora que sabe, espalhe a verdade. Minha missão termina aonde a sua começa. Por enquanto Sou, mas agora deixo de ser’. 

Não deixou tempo para resposta, enquanto findava uma existência vã. Ouvi o disparo, mas demorei a aceitar. Eu soube quem ele era e o sentido de seus feitos no exato momento em que o galpão foi invadido.

Resta-me agora transcrever o que li. 
O que vi quando lá cheguei e o porquê dele ter sido.

Havia sim morte naquele lugar, porém, o filtro vermelho ficou somente nas pupilas dos olhos do único corpo encontrado. A peça final: O corpo de Eu Sou.

As próximas palavras serão as que ele deixou para que todos soubessem o que Eu sei.