quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Uma parte do passar



Digo: ‘Canto por aqueles que serão ou não serão’,
Mas o tempo, correndo então,
Subitamente ofereceu-me sua trêmula mão e disse:
‘ Qual o significado daquilo que vistes?
Sei que estou apenas de passagem,
Mas necessito saber:
Se não é através de mim, como podes ainda viver?’.

‘Vivo porque amo’, respondi,
Enquanto isto faço, vejo e experimento,
Aquilo que nunca antes vi’.
‘Mas há tanto assim para ver?’,
Questionou o tempo, inconsolável,
Sem sequer me conhecer.  

‘Você passa por aqui e também por lá,
Não é esta sua razão de ser?
Eu, por minha vez,
Também tenho de passar, tanto quanto,
E exatamente como você’.

‘Mas por que passas por aqui agora
Aonde a hora nunca deixa a vida em paz?’
‘Trato de um papel representado.
Fui aqui um enviado,
Para que já não haja um ‘nunca mais’.
Para que a vida trate de si mesma,
E talvez você perceba,
Que o que deve é ir atrás’.

‘Mas, quem és tu, jovem rapaz?
Há tanto me questiono,
Mas não pude perguntar.
E onde estava?
Seria aonde Eu não posso estar?’

‘Sou a vida e a morte,
Meu velho e novo amigo,
Amigo que insiste em se arrastar.  
E sim, lá eu estava.
E é para lá que tenho de te levar’.

As lágrimas do tempo,
Ainda molham as sepulturas
Aonde em horas tão escuras
Tantos reuniram-se para chorar.

Desde então o tempo morre.
Pois todo dia de mim socorre,
Uma vida para amar. 

Desde então o tempo corre,
Pois todo dia em mim morre,
Uma parte do passar.  

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

VII - FINAL



“Fui criado às escondidas. Minha imagem não agradaria a muitos. Nunca soube sobre meus pais nada além do que foi dito pelo professor. ‘ Eram filhos da ordem, descendentes do sangue do primeiro filho do Homem. Copularam para gerar aquele que precederia o libertador renascido’, ele disse.  Fui moldado para acreditar que este era eu. Segundo os ‘anciões’, como eram chamados os membros mais antigos,  eles descendiam do sangue dos irmãos do homem de Nazaré e, para que se cumprisse a profecia, Ele retornaria através desse sangue. Por isso, como o Batista,  seu ‘lugar-tenente’ deveria partilhar também de seus genes.  Eu era o escudeiro prometido e deveria decifrar o enigma que nos diria como abrir a cápsula metálica que guardava  o sangue da mãe do mestre. 

A ordem deveria ser mantida por cinco homens e duas mulheres em cada sede, alcançando todos os países do mundo. Eram sempre sete. O objetivo principal era manter os genes dos descendentes da casa de Davi intactos e puros ao longo dos séculos. O que exigia aquilo que hoje reconheço como uma abominação: O incesto. As lunações eram sempre manipuladas para que das uniões nascesse um casal, que deveria gerar outro casal. Porém os anciões diziam: ‘Quando o ventre de uma mulher, bendita entre todas, gerar um primogênito de pupilas vermelhas, este virá para decifrar o enigma e dar novamente a vida àquele que havia de vir. Não precisaremos esperar por outro‘.  

Bem, eu nasci e, comigo, a espera em todas as sedes do mundo havia acabado.  Fizeram-me acreditar que eu descodificaria as palavras do pergaminho que supostamente havia sido escrito por Tiago, irmão do mestre e fundador da ordem. Ele a teria disseminado pelo mundo antigo, na companhia de sua irmã, Rute, quatro dos discípulos e, por último, uma rameira. Uma rameira que conquistou grande fama entre os seguidores do evangelho. Por isso, não direi seu nome. Que a imaginação flua até a resposta. 

Os quatro discípulos, pioneiros do colégio apostólico, guardavam o sangue. O ‘rubro celeste’, assim chamado, foi passado de geração em geração através dos milênios, sempre por quatro líderes, em uma arca forjada em aço alexandrino. Esta seria retirada de seu protetor, conhecido como ‘guardião vermelho’, somente após o nascimento do escudeiro que, em idade adulta, deveria abri-la ao desvendar o já dito enigma. Uma vez aberto, o DNA conservado deveria ser misturado em laboratório à semente do escudeiro e uma ‘virgem’, previamente escolhida pela ordem, carregaria aquele que lideraria as nações a um novo plano de evolução. Nas palavras da profecia: 

‘Setenta semanas estão decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia, e para ungir o santíssimo.
Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o ungido, o príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; com praças e tranqueiras se reedificará em tempos angustiosos.  
E depois de sessenta e duas semanas será cortado o ungido, e nada lhe subsistirá; e o povo do príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até o fim haverá guerra; estão determinadas assim as assolações’. 

O tempo passou e a virgem já havia sido escolhida. Uma jovem gerada nos termos da ordem. Ela havia sido adotada por uma família comum por medidas de segurança, caso algo fugisse dos planos.  

Após o nascimento da criança, eu deveria trazer as ditas ‘assolações’ ao mundo. Fui treinado para isto.  Eu deveria preparar o caminho para que, quando Ele crescesse, assumisse o trono de Davi.  Reinando sobre todas as nações. Criando uma nova ordem internacional. O novo céu e a nova terra.  

Porém, no quinto dia do mês em que completei a idade na qual eu receberia o enigma em mãos, o trigésimo ano, estando eu entre os anciões, tendo tomado o  ‘chá da verdade’, abriram-se os céus e tive visões. Recordo do que nelas A VOZ disse: 

‘Eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo que emitia labaredas, e um resplendor ao redor dela; e do meio do fogo saía uma coisa como o brilho de âmbar. 
E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem; cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e todos quatro tinham seus rostos e suas asas assim: Uniam-se as suas asas uma à outra; eles não se viravam quando andavam; cada qual andava para adiante de si; À mão direita todos os quatro tinham o rosto de leão, e à mão esquerda todos os quatro tinham o rosto de boi; e também tinham todos os quatro, o rosto de águia; Assim eram os seus rostos. Andavam para onde o espírito havia de ir e nunca se viravam. No meio dos seres viventes havia uma coisa semelhante a ardentes brasas de fogo, ou a tochas que se moviam por entre os seres viventes; e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâmpagos. E os seres viventes corriam, saindo e voltando, à semelhança de um raio’.

Outra voz, mais afável, disse enquanto o chá ainda surtia seu efeito alucinógeno: ‘Os quatro seres que caminham sempre em frente, são os homens que deve deter. O fogo que resplandece é a virgem. O relâmpago que dela sai é aquele que, mesmo sendo filho de sua semente, não deve deixar nascer. Impeça também aquela que lhe traria à vida e a ajuda que receberia. Assim estará no caminho da luz. Não é assim que o verdadeiro Filho do Homem retornará. Impedi-los é sua verdadeira missão. O salário do pecado é a morte. Depois de concluída, acabará também consigo mesmo, para que encontre aqui sua recompensa’.

As palavras foram gravadas em minha mente e foi nesse momento, durante a reunião do conselho da ordem na faculdade, que reconheci o meu real objetivo. A madrugada daquele sábado havia sido escolhida para gerarmos em laboratório o ‘Relâmpago’, ‘Filho do fogo’ da virgem, através de minha semente e do ‘rubro celeste’. Porém, minha verdadeira missão naquela madrugada era acabar com a vida dela. Uma jovem professora, fruto também de um relacionamento incestuoso. Criada como uma criança normal, mas nascida para servir a Ordem. E, como foi dito, o chamado foi recebido às 3 horas da manhã.  Sabendo do meu fim, deixei dicas para que me encontrassem, mesmo tendo em mente que era o plano do Destino que a missão fosse cumprida. Por isso, os outros três professores, protetores do sangue e do enigma que revelei, também foram mortos, como creio que viram. Como em toda sede da ordem, havia também a ‘rameira’, a última professora, que seria a responsável pelo parto. Esta queimou até a morte junto de seu parceiro e irmão, afinal não queria ela parir o relâmpago das pernas do fogo?  

Um deles, na hora de sua morte, disse: ‘ Isto não parará a ordem’. Esta é a verdade. As sedes de todos os países agora esperam novamente a vinda do próximo escudeiro que revelará uma vez mais o enigma. Cápsulas de segurança são guardadas em cada uma delas com amostras do rubro celeste. O que fiz foi adiar os planos. Mas isso o tempo dirá. Eles seguem pelo mundo. 

Tendo, por hora, cumprido meu objetivo, encerro minha carreira e entrego minha vida. Que esta história fique de exemplo para os que pensam carregar a verdade. Ele virá quando vier. 7 planejaram juntos a ascensão do relâmpago, por isso 7 devem morrer e EU SOU o sétimo detentor do segredo. 

Não queiram saber minha identidade. Não fará diferença. Pela lei, eu sou ninguém. Sou nada. Sou zero absoluto. 

Deixo, por último, uma pequena e última peça: ‘Um enigma de milênios só é resolvido por uma mente que reconhece a história que ele carrega. Alguém que leia além das palavras e conheça os acontecimentos do passado do mestre. Procure no corpo do jovem que entregou a vida pela causa. Creio que aquele que tiver em mãos este caderno saberá o que fazer com isto’. 

‘Eu sou’ já não existe. Esqueçam o homem e pensem nas razões de seus atos. Há honra nessas mortes. Incluindo a minha. 

 Adeus“.  

Estas foram as palavras deixadas por ele no caderno de capa preta. Eu poderia dizer o que vi quando cheguei ao galpão, mas isso nada mudaria. ‘O assassino que cometeu suicídio’. A mídia já havia explorado a situação o suficiente. Ele queria que todos soubessem a razão e eu entreguei esta razão ao povo. 

Guardei para mim somente as palavras ditas naquele telefonema logo antes da morte de Eu sou: ‘Minha missão termina aonde a sua começa’. 

Eu sabia que, se realmente quisesse fazer a diferença, deveria buscar saber mais. Deveria parar a ordem. Como? Naquele momento eu não sabia.

A resposta estava enterrada a sete palmos, em alguma parte do corpo do rapaz que nos recebeu na biblioteca da faculdade destruída.  

Porém, esta é outra história. A história de como eu soube.

Este é o fim.

Por enquanto. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

VI



Tinha o caderno de capa preta em mãos desde o momento em que o encontrei.

Após todo o ocorrido, enquanto todos dormiam, enquanto todos sonhavam, lá estava eu. Ainda não havia lido, mas sentia a verdade que percorria minhas veias como um soro. Todos os fins são facilmente reconhecíveis. Primeiro sentimos no ar uma pausa e os movimentos tornam-se previsíveis. Tudo segue o caminho para uma conclusão que todos presumem.   Nos olhos, há uma cumplicidade. Trabalhamos juntos e sabemos que o trabalho tece o próprio desfecho. Fomos avisados e o sangue foi derramado em nossas mãos.

Era novamente um sábado quando, no horário nobre da televisão, durante um programa policial sensacionalista, enquanto o jovem apresentador falava sobre a explosão da faculdade, a produção recebeu uma ligação. A voz, que já nos era tão familiar, ressoou para que todos ouvissem. Um salto de audiência. Ele pediu para que o apresentador mediasse uma ligação com o comandante da polícia e, rindo, disse que não havia a necessidade de um rastreamento, pois seu objetivo era um encontro ‘amigável’. Disse:

‘ Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arde até o mais profundo do Sheol, e devora a terra com o seu fruto, e abrasa os fundamentos dos montes. Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo, não há razão para que eu poupe a vós, escarnecedores. Liberto-os da vida ao lado destes pobres inúteis que criaram a ordem, para que, os que assim quiserem, possam atingir o Alto. Combati o bom combate e agora minha carreira aproxima-se do fim. Aquele que tem em mãos as minhas páginas, saberá a razão de toda vida perdida para o ganho final’.  

Ele pediu para que o encontrassem no galpão e desconectou a ligação. Já tinha tudo programado.  

A polícia e a mídia foram quase que inteiramente deslocadas. Fui designado para permanecer na central com uma patrulha. Não imaginava o que isso me traria. O destino piscava um olho, irônico. Uma equipe reforçada foi enviada ao lugar e, como um grande sarro final, eu começava a ler suas profecias no caderno, enquanto ele agia para que elas se cumprissem. Tudo ao mesmo tempo. Eu era aquele que ‘segurava suas páginas’. Eu sabia a razão, enquanto ele terminava aquilo que começou debaixo dos olhos de todos, sem nunca ser capturado. Até o momento. Só não imaginávamos como se daria sua captura. Se é que assim podemos chamar o ocorrido. 

Eu lia e as sirenes distanciavam-se, correndo ao encontro da morte. Apressavam-se para a exposição de mais uma obra de arte do museu demoníaco de Eu Sou.  Mas, o que lá os esperava, já estava escrito naquelas folhas. Não havia muito. Somente o suficiente.Terminei de ler e, com o coração estarrecido, compreendi. Chorei um choro amargo ao assimilar o motivo desconexo de tanta morte e destruição. O telefone tocou. Atendi. Congelei. O relógio corria apressadamente para o segundo conclusivo.

‘ Agora que sabe, espalhe a verdade. Minha missão termina aonde a sua começa. Por enquanto Sou, mas agora deixo de ser’. 

Não deixou tempo para resposta, enquanto findava uma existência vã. Ouvi o disparo, mas demorei a aceitar. Eu soube quem ele era e o sentido de seus feitos no exato momento em que o galpão foi invadido.

Resta-me agora transcrever o que li. 
O que vi quando lá cheguei e o porquê dele ter sido.

Havia sim morte naquele lugar, porém, o filtro vermelho ficou somente nas pupilas dos olhos do único corpo encontrado. A peça final: O corpo de Eu Sou.

As próximas palavras serão as que ele deixou para que todos soubessem o que Eu sei.