domingo, 11 de novembro de 2012

PODIA TÊ-LA SALVO...


Sim, podia tê-la salvo.
Diziam revoltosos e sem entender a razão de minha súbita paralisia.
O corpo estava ali, fitando o firmamento, como era seu costume em dias de sol. Sempre gostou de procurar figuras na nuvens. Os olhos abertos, ignoravam a morte. Estava ainda ali, de alguma forma, esperando o amanhecer que traria a claridade necessária para seu passatempo juvenil.
Podia tê-la salvo. Caro seria o preço que eu haveria de pagar por ter impedido o prematuro agir do Tempo. Creio que, ao medir todas as possíveis consequências, racionalizar sua existência e o que poderia ainda conquistar, perdi os movimentos.
Fiquei ali por horas. Primeiro as luzes da ambulância, com sua sirene que, assustadoramente, não tinha forças suficientes para cobrir o silêncio que no momento era a maior parte de mim. Depois, seu frágil corpo sendo carregado por todas aquelas mãos estranhas. De onde surgiram? Quem os chamou? Não pude ver.
Podia distinguir, em meio a todo o ambiente alucinógeno, vozes distantes que me cobravam a redenção de sua alma.
-Sabe, sim, podia tê-la salvo.
Repetiam ainda revoltosos.
Mas ali já não haveria costumes ou dias de sol.
Somente as nuvens estariam ali, como testemunhas mudas da partida de sua velha amiga, que passava horas a admirá-las e dar a elas formas e vida. Comparando-as a coelhos, gatos, dragões e cavaleiros alados.
Olhos brilhantes.Um brilho que, estranhamente, só pude ver novamente no momento de sua morte.
Gosto de imaginar que, naquele milésimo, sua consciência foi transportada e ela viu-se diante de tudo aquilo que formou nas nuvens. Um ambiente só seu, com cavaleiros, leões, gatos e seus outros amigos. Assim, sinto-me menos culpado por não ter parado aquele disparo que, aliás, supostamente era direcionado a mim.
É melhor pensar que a privei de uma vida em constantes falhas e decepções em meio aos homens e a proporcionei uma viagem a um dos palácios dos muitos reinos de nosso Pai. Lá está, em paz.
A ambulância seguiu seu caminho. Aquele foi o adeus.
Eu e os outros, aniquilados por meu mutismo, partimos sem que nossa presença fosse notada pelos que a tentaram resgatar. Eles, mensageiros, estavam certos.
Podia ter salvo sua vida.
Porém, ao olhar para o mundo de hoje do pico desse monte, vejo que de certa maneira eu o fiz.
Eu a salvei da vida na Terra.
Ou não.
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