quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

VI



Tinha o caderno de capa preta em mãos desde o momento em que o encontrei.

Após todo o ocorrido, enquanto todos dormiam, enquanto todos sonhavam, lá estava eu. Ainda não havia lido, mas sentia a verdade que percorria minhas veias como um soro. Todos os fins são facilmente reconhecíveis. Primeiro sentimos no ar uma pausa e os movimentos tornam-se previsíveis. Tudo segue o caminho para uma conclusão que todos presumem.   Nos olhos, há uma cumplicidade. Trabalhamos juntos e sabemos que o trabalho tece o próprio desfecho. Fomos avisados e o sangue foi derramado em nossas mãos.

Era novamente um sábado quando, no horário nobre da televisão, durante um programa policial sensacionalista, enquanto o jovem apresentador falava sobre a explosão da faculdade, a produção recebeu uma ligação. A voz, que já nos era tão familiar, ressoou para que todos ouvissem. Um salto de audiência. Ele pediu para que o apresentador mediasse uma ligação com o comandante da polícia e, rindo, disse que não havia a necessidade de um rastreamento, pois seu objetivo era um encontro ‘amigável’. Disse:

‘ Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arde até o mais profundo do Sheol, e devora a terra com o seu fruto, e abrasa os fundamentos dos montes. Porque se Deus não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo, não há razão para que eu poupe a vós, escarnecedores. Liberto-os da vida ao lado destes pobres inúteis que criaram a ordem, para que, os que assim quiserem, possam atingir o Alto. Combati o bom combate e agora minha carreira aproxima-se do fim. Aquele que tem em mãos as minhas páginas, saberá a razão de toda vida perdida para o ganho final’.  

Ele pediu para que o encontrassem no galpão e desconectou a ligação. Já tinha tudo programado.  

A polícia e a mídia foram quase que inteiramente deslocadas. Fui designado para permanecer na central com uma patrulha. Não imaginava o que isso me traria. O destino piscava um olho, irônico. Uma equipe reforçada foi enviada ao lugar e, como um grande sarro final, eu começava a ler suas profecias no caderno, enquanto ele agia para que elas se cumprissem. Tudo ao mesmo tempo. Eu era aquele que ‘segurava suas páginas’. Eu sabia a razão, enquanto ele terminava aquilo que começou debaixo dos olhos de todos, sem nunca ser capturado. Até o momento. Só não imaginávamos como se daria sua captura. Se é que assim podemos chamar o ocorrido. 

Eu lia e as sirenes distanciavam-se, correndo ao encontro da morte. Apressavam-se para a exposição de mais uma obra de arte do museu demoníaco de Eu Sou.  Mas, o que lá os esperava, já estava escrito naquelas folhas. Não havia muito. Somente o suficiente.Terminei de ler e, com o coração estarrecido, compreendi. Chorei um choro amargo ao assimilar o motivo desconexo de tanta morte e destruição. O telefone tocou. Atendi. Congelei. O relógio corria apressadamente para o segundo conclusivo.

‘ Agora que sabe, espalhe a verdade. Minha missão termina aonde a sua começa. Por enquanto Sou, mas agora deixo de ser’. 

Não deixou tempo para resposta, enquanto findava uma existência vã. Ouvi o disparo, mas demorei a aceitar. Eu soube quem ele era e o sentido de seus feitos no exato momento em que o galpão foi invadido.

Resta-me agora transcrever o que li. 
O que vi quando lá cheguei e o porquê dele ter sido.

Havia sim morte naquele lugar, porém, o filtro vermelho ficou somente nas pupilas dos olhos do único corpo encontrado. A peça final: O corpo de Eu Sou.

As próximas palavras serão as que ele deixou para que todos soubessem o que Eu sei.

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