segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

VII - FINAL



“Fui criado às escondidas. Minha imagem não agradaria a muitos. Nunca soube sobre meus pais nada além do que foi dito pelo professor. ‘ Eram filhos da ordem, descendentes do sangue do primeiro filho do Homem. Copularam para gerar aquele que precederia o libertador renascido’, ele disse.  Fui moldado para acreditar que este era eu. Segundo os ‘anciões’, como eram chamados os membros mais antigos,  eles descendiam do sangue dos irmãos do homem de Nazaré e, para que se cumprisse a profecia, Ele retornaria através desse sangue. Por isso, como o Batista,  seu ‘lugar-tenente’ deveria partilhar também de seus genes.  Eu era o escudeiro prometido e deveria decifrar o enigma que nos diria como abrir a cápsula metálica que guardava  o sangue da mãe do mestre. 

A ordem deveria ser mantida por cinco homens e duas mulheres em cada sede, alcançando todos os países do mundo. Eram sempre sete. O objetivo principal era manter os genes dos descendentes da casa de Davi intactos e puros ao longo dos séculos. O que exigia aquilo que hoje reconheço como uma abominação: O incesto. As lunações eram sempre manipuladas para que das uniões nascesse um casal, que deveria gerar outro casal. Porém os anciões diziam: ‘Quando o ventre de uma mulher, bendita entre todas, gerar um primogênito de pupilas vermelhas, este virá para decifrar o enigma e dar novamente a vida àquele que havia de vir. Não precisaremos esperar por outro‘.  

Bem, eu nasci e, comigo, a espera em todas as sedes do mundo havia acabado.  Fizeram-me acreditar que eu descodificaria as palavras do pergaminho que supostamente havia sido escrito por Tiago, irmão do mestre e fundador da ordem. Ele a teria disseminado pelo mundo antigo, na companhia de sua irmã, Rute, quatro dos discípulos e, por último, uma rameira. Uma rameira que conquistou grande fama entre os seguidores do evangelho. Por isso, não direi seu nome. Que a imaginação flua até a resposta. 

Os quatro discípulos, pioneiros do colégio apostólico, guardavam o sangue. O ‘rubro celeste’, assim chamado, foi passado de geração em geração através dos milênios, sempre por quatro líderes, em uma arca forjada em aço alexandrino. Esta seria retirada de seu protetor, conhecido como ‘guardião vermelho’, somente após o nascimento do escudeiro que, em idade adulta, deveria abri-la ao desvendar o já dito enigma. Uma vez aberto, o DNA conservado deveria ser misturado em laboratório à semente do escudeiro e uma ‘virgem’, previamente escolhida pela ordem, carregaria aquele que lideraria as nações a um novo plano de evolução. Nas palavras da profecia: 

‘Setenta semanas estão decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia, e para ungir o santíssimo.
Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o ungido, o príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; com praças e tranqueiras se reedificará em tempos angustiosos.  
E depois de sessenta e duas semanas será cortado o ungido, e nada lhe subsistirá; e o povo do príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até o fim haverá guerra; estão determinadas assim as assolações’. 

O tempo passou e a virgem já havia sido escolhida. Uma jovem gerada nos termos da ordem. Ela havia sido adotada por uma família comum por medidas de segurança, caso algo fugisse dos planos.  

Após o nascimento da criança, eu deveria trazer as ditas ‘assolações’ ao mundo. Fui treinado para isto.  Eu deveria preparar o caminho para que, quando Ele crescesse, assumisse o trono de Davi.  Reinando sobre todas as nações. Criando uma nova ordem internacional. O novo céu e a nova terra.  

Porém, no quinto dia do mês em que completei a idade na qual eu receberia o enigma em mãos, o trigésimo ano, estando eu entre os anciões, tendo tomado o  ‘chá da verdade’, abriram-se os céus e tive visões. Recordo do que nelas A VOZ disse: 

‘Eis que um vento tempestuoso vinha do norte, uma grande nuvem, com um fogo que emitia labaredas, e um resplendor ao redor dela; e do meio do fogo saía uma coisa como o brilho de âmbar. 
E do meio dela saía a semelhança de quatro seres viventes. E esta era a sua aparência: tinham a semelhança de homem; cada um tinha quatro rostos, como também cada um deles quatro asas. E tinham mãos de homem debaixo das suas asas, aos quatro lados; e todos quatro tinham seus rostos e suas asas assim: Uniam-se as suas asas uma à outra; eles não se viravam quando andavam; cada qual andava para adiante de si; À mão direita todos os quatro tinham o rosto de leão, e à mão esquerda todos os quatro tinham o rosto de boi; e também tinham todos os quatro, o rosto de águia; Assim eram os seus rostos. Andavam para onde o espírito havia de ir e nunca se viravam. No meio dos seres viventes havia uma coisa semelhante a ardentes brasas de fogo, ou a tochas que se moviam por entre os seres viventes; e o fogo resplandecia, e do fogo saíam relâmpagos. E os seres viventes corriam, saindo e voltando, à semelhança de um raio’.

Outra voz, mais afável, disse enquanto o chá ainda surtia seu efeito alucinógeno: ‘Os quatro seres que caminham sempre em frente, são os homens que deve deter. O fogo que resplandece é a virgem. O relâmpago que dela sai é aquele que, mesmo sendo filho de sua semente, não deve deixar nascer. Impeça também aquela que lhe traria à vida e a ajuda que receberia. Assim estará no caminho da luz. Não é assim que o verdadeiro Filho do Homem retornará. Impedi-los é sua verdadeira missão. O salário do pecado é a morte. Depois de concluída, acabará também consigo mesmo, para que encontre aqui sua recompensa’.

As palavras foram gravadas em minha mente e foi nesse momento, durante a reunião do conselho da ordem na faculdade, que reconheci o meu real objetivo. A madrugada daquele sábado havia sido escolhida para gerarmos em laboratório o ‘Relâmpago’, ‘Filho do fogo’ da virgem, através de minha semente e do ‘rubro celeste’. Porém, minha verdadeira missão naquela madrugada era acabar com a vida dela. Uma jovem professora, fruto também de um relacionamento incestuoso. Criada como uma criança normal, mas nascida para servir a Ordem. E, como foi dito, o chamado foi recebido às 3 horas da manhã.  Sabendo do meu fim, deixei dicas para que me encontrassem, mesmo tendo em mente que era o plano do Destino que a missão fosse cumprida. Por isso, os outros três professores, protetores do sangue e do enigma que revelei, também foram mortos, como creio que viram. Como em toda sede da ordem, havia também a ‘rameira’, a última professora, que seria a responsável pelo parto. Esta queimou até a morte junto de seu parceiro e irmão, afinal não queria ela parir o relâmpago das pernas do fogo?  

Um deles, na hora de sua morte, disse: ‘ Isto não parará a ordem’. Esta é a verdade. As sedes de todos os países agora esperam novamente a vinda do próximo escudeiro que revelará uma vez mais o enigma. Cápsulas de segurança são guardadas em cada uma delas com amostras do rubro celeste. O que fiz foi adiar os planos. Mas isso o tempo dirá. Eles seguem pelo mundo. 

Tendo, por hora, cumprido meu objetivo, encerro minha carreira e entrego minha vida. Que esta história fique de exemplo para os que pensam carregar a verdade. Ele virá quando vier. 7 planejaram juntos a ascensão do relâmpago, por isso 7 devem morrer e EU SOU o sétimo detentor do segredo. 

Não queiram saber minha identidade. Não fará diferença. Pela lei, eu sou ninguém. Sou nada. Sou zero absoluto. 

Deixo, por último, uma pequena e última peça: ‘Um enigma de milênios só é resolvido por uma mente que reconhece a história que ele carrega. Alguém que leia além das palavras e conheça os acontecimentos do passado do mestre. Procure no corpo do jovem que entregou a vida pela causa. Creio que aquele que tiver em mãos este caderno saberá o que fazer com isto’. 

‘Eu sou’ já não existe. Esqueçam o homem e pensem nas razões de seus atos. Há honra nessas mortes. Incluindo a minha. 

 Adeus“.  

Estas foram as palavras deixadas por ele no caderno de capa preta. Eu poderia dizer o que vi quando cheguei ao galpão, mas isso nada mudaria. ‘O assassino que cometeu suicídio’. A mídia já havia explorado a situação o suficiente. Ele queria que todos soubessem a razão e eu entreguei esta razão ao povo. 

Guardei para mim somente as palavras ditas naquele telefonema logo antes da morte de Eu sou: ‘Minha missão termina aonde a sua começa’. 

Eu sabia que, se realmente quisesse fazer a diferença, deveria buscar saber mais. Deveria parar a ordem. Como? Naquele momento eu não sabia.

A resposta estava enterrada a sete palmos, em alguma parte do corpo do rapaz que nos recebeu na biblioteca da faculdade destruída.  

Porém, esta é outra história. A história de como eu soube.

Este é o fim.

Por enquanto. 

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