quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

III



III





Levantamos algumas suposições, mas não passaram de tiros no escuro.  Através das dicas que recebemos, o plano traçado foi posicionar patrulhas escondidas na Rua 3 e esperar o provável horário dado pelo assassino: 3: 33. Como não poderíamos ter certeza se aconteceria pela madrugada ou à tarde, estivemos todo o tempo em alerta. Atentos a cada movimento incomum. Pobres imbecis.

Não era muito que tínhamos em mãos e aquilo que tínhamos, ironicamente, havia sido dado pelo próprio ‘EU SOU’. As horas passavam lentamente e a cada minuto o suor descia mais frio. A rua estava em paz, não parecia o provável local de um assassinato. Gatos passavam desconfiados, olhando para lá e para cá. O instinto avisava, mas não demos ouvidos. Depois de todo o fim da tarde e início da noite, às 3:35 da manhã, um telefonema rompeu o silêncio que nos assombrava.  O sargento atendeu e, passando os olhos por todos, percebemos o exato momento em que ele perdeu a cor. Colocou o celular no auto falante, por desejo do interlocutor satânico, e todos pudemos ouvir claramente: “Tarde demais”.

Tudo esfriou. Sabíamos que era ele, mas não captamos a intenção das palavras. Apesar de nosso medo, tudo estava calmo e seguia como de costume.  Desistimos e acabamos voltando para a central. 

Sem novidades.  Recebemos somente a ligação de um vizinho revoltado que reclamava do barulho do morador de cima. Após quase 50 horas acordados, eu e meu parceiro resolvemos passar no endereço indicado e de lá voltaríamos para nossas casas. Precisávamos realmente de um descanso. Entrando no saguão do prédio, ouvimos a música. Estava realmente ensurdecedora, mas não demos muita atenção. Seguimos para o apartamento do morador que havia feito a ligação e ele, um senhor de aproximadamente 65 anos, começou a gritar, reclamando que tinha de levantar cedo e que o barulho já seguia por quase uma hora.  Subimos para o terceiro andar. O instinto seguia avisando.  Número 33.  Nós dois sabíamos que era possível e assim foi. Batemos por puro procedimento. Não houve resposta. Arrombamos a porta e surgiu novamente o filtro vermelho em nossos olhos.   

Chamamos por reforços. Tudo havia sido planejado por ele.  Posso afirmar com toda a certeza: Ele sabia que iríamos para a Rua 3 e que teria tempo de fazer o que bem entendesse. Estava sempre um passo a frente.  Esperamos todos chegarem e contemplamos o lugar, ou o que restou dele. Não havia um cm² de normalidade. 

3 corpos. Um recostado sobre o parapeito da janela, outro sentado na poltrona, ao lado da cama. O último, encontramos na banheira, submerso no próprio sangue. Foi o “menos lesado”. Havia apenas jorrado todo o seu sangue até a hora do descanso eterno. Sua jugular havia sido rompida.

Já sobre os outros dois, faltam-me palavras. Não será fácil entender. Porém, o primeiro usava como máscara o rosto do segundo. ‘EU SOU’ havia tido o cuidado de remover inteiramente a pele da face, incluindo o couro cabeludo e ‘vesti-lo’ no pobre homem.  Vocês devem se perguntar a razão de sabermos exatamente a maneira como Aquilo agiu. É simples, ele havia filmado tudo. O circo de horrores era projetado em um telão, posicionado no canto esquerdo da sala. Vimos aquele ser agir. Observamos seus movimentos estranhos, sempre encobertos por aquela túnica demoníaca e as próteses que impossibilitavam a identificação de suas medidas. Tudo isso ao som ensurdecedor do Réquiem de Mozart que diz, traduzido do latim:

‘Condenados os malditos e lançados às chamas devoradoras. Chama-me junto aos benditos. Oro suplicante e prostrado. O coração contrito, quase em cinzas. Tomai conta do meu fim’.

Sabíamos que aí havia outra mensagem para nós. O segundo homem, sem face, segurava o coração em suas mãos e, com a cabeça baixa, ou o que restou dela, parecia olhar para o buraco existente no peito, desacreditado.  Pobres almas perdidas.

A música seguia e na parede havia mais uma peça:

‘Quem era ela? Quem são eles?’. Ao lado, a inseparável estrela de Davi.

Mensagem mais uma vez escrita com o sangue de inocentes. Porém, quando os cadáveres foram identificados, as coisas passaram a fazer sentido. 3 homens de 33 anos, também professores. Coincidência?

Em cima da cama, novamente em papel preto, deixou também gravado: ‘O Senhor te ferirá com loucura, com cegueira, e com pasmo de coração. ‘

‘EU SOU’, ao concluir seu terceiro assassinato era já reconhecido oficialmente como um serial-killer. Parecia ter um padrão. As referências bíblicas, suas mensagens enigmáticas e até mesmo a música, que ainda soava no vídeo, nos mostrariam o caminho até ele.

Tínhamos um assassino em série, livre, em uma cidade de primeiro mundo. Teríamos de agir rapidamente. Recolhemos as evidências e encaminhamos tudo para a central.

‘Quem era ela? Quem são eles?’

No momento não sabíamos a profundidade de onde essa dica nos levaria. Porém, antes, uma boa noite de sono. Como se fosse possível.

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