III
Levantamos algumas suposições, mas não passaram de tiros no
escuro. Através das dicas que recebemos,
o plano traçado foi posicionar patrulhas escondidas na Rua 3 e esperar o
provável horário dado pelo assassino: 3: 33. Como não poderíamos ter certeza se
aconteceria pela madrugada ou à tarde, estivemos todo o tempo em alerta.
Atentos a cada movimento incomum. Pobres imbecis.
Não era muito que tínhamos em mãos e aquilo que tínhamos,
ironicamente, havia sido dado pelo próprio ‘EU SOU’. As horas passavam lentamente
e a cada minuto o suor descia mais frio. A rua estava em paz, não parecia o
provável local de um assassinato. Gatos passavam desconfiados, olhando para lá
e para cá. O instinto avisava, mas não demos ouvidos. Depois de todo o fim da
tarde e início da noite, às 3:35 da manhã, um telefonema rompeu o silêncio que
nos assombrava. O sargento atendeu e,
passando os olhos por todos, percebemos o exato momento em que ele perdeu a
cor. Colocou o celular no auto falante, por desejo do interlocutor satânico, e
todos pudemos ouvir claramente: “Tarde demais”.
Tudo esfriou. Sabíamos que era ele, mas não captamos a
intenção das palavras. Apesar de nosso medo, tudo estava calmo e seguia como de
costume. Desistimos e acabamos voltando
para a central.
Sem novidades.
Recebemos somente a ligação de um vizinho revoltado que reclamava do
barulho do morador de cima. Após quase 50 horas acordados, eu e meu parceiro
resolvemos passar no endereço indicado e de lá voltaríamos para nossas casas.
Precisávamos realmente de um descanso. Entrando no saguão do prédio, ouvimos a
música. Estava realmente ensurdecedora, mas não demos muita atenção. Seguimos
para o apartamento do morador que havia feito a ligação e ele, um senhor de
aproximadamente 65 anos, começou a gritar, reclamando que tinha de levantar
cedo e que o barulho já seguia por quase uma hora. Subimos para o terceiro andar. O instinto
seguia avisando. Número 33. Nós dois sabíamos que era possível e assim
foi. Batemos por puro procedimento. Não houve resposta. Arrombamos a porta e
surgiu novamente o filtro vermelho em nossos olhos.
Chamamos por reforços. Tudo havia sido planejado por
ele. Posso afirmar com toda a certeza:
Ele sabia que iríamos para a Rua 3 e que teria tempo de fazer o que bem
entendesse. Estava sempre um passo a frente.
Esperamos todos chegarem e contemplamos o lugar, ou o que restou dele.
Não havia um cm² de normalidade.
3 corpos. Um recostado sobre o parapeito da janela, outro
sentado na poltrona, ao lado da cama. O último, encontramos na banheira,
submerso no próprio sangue. Foi o “menos lesado”. Havia apenas jorrado todo o
seu sangue até a hora do descanso eterno. Sua jugular havia sido rompida.
Já sobre os outros dois, faltam-me palavras. Não será fácil
entender. Porém, o primeiro usava como máscara o rosto do segundo. ‘EU SOU’
havia tido o cuidado de remover inteiramente a pele da face, incluindo o couro
cabeludo e ‘vesti-lo’ no pobre homem.
Vocês devem se perguntar a razão de sabermos exatamente a maneira como
Aquilo agiu. É simples, ele havia filmado tudo. O circo de horrores era
projetado em um telão, posicionado no canto esquerdo da sala. Vimos aquele ser
agir. Observamos seus movimentos estranhos, sempre encobertos por aquela túnica
demoníaca e as próteses que impossibilitavam a identificação de suas medidas.
Tudo isso ao som ensurdecedor do Réquiem de Mozart que diz, traduzido do latim:
‘Condenados os malditos e lançados às chamas devoradoras.
Chama-me junto aos benditos. Oro suplicante e prostrado. O coração contrito,
quase em cinzas. Tomai conta do meu fim’.
Sabíamos que aí havia outra mensagem para nós. O segundo
homem, sem face, segurava o coração em suas mãos e, com a cabeça baixa, ou o
que restou dela, parecia olhar para o buraco existente no peito,
desacreditado. Pobres almas perdidas.
A música seguia e na parede havia mais uma peça:
‘Quem era ela? Quem são eles?’. Ao lado, a inseparável
estrela de Davi.
Mensagem mais uma vez escrita com o sangue de inocentes.
Porém, quando os cadáveres foram identificados, as coisas passaram a fazer
sentido. 3 homens de 33 anos, também professores. Coincidência?
Em cima da cama, novamente em papel preto, deixou também
gravado: ‘O Senhor te ferirá com loucura, com cegueira, e com pasmo de coração.
‘
‘EU SOU’, ao concluir seu terceiro assassinato era já
reconhecido oficialmente como um serial-killer. Parecia ter um padrão. As
referências bíblicas, suas mensagens enigmáticas e até mesmo a música, que
ainda soava no vídeo, nos mostrariam o caminho até ele.
Tínhamos um assassino em série, livre, em uma cidade de
primeiro mundo. Teríamos de agir rapidamente. Recolhemos as evidências e
encaminhamos tudo para a central.
‘Quem era ela? Quem são eles?’
No momento não sabíamos a profundidade de onde essa dica nos
levaria. Porém, antes, uma boa noite de sono. Como se fosse possível.
Minha nossa...me descabelando aqui esperando sair o 4º Capítulo....
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