segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

V



A Faculdade estava mais vazia do que o natural. Provavelmente devido à pressão da mídia sobre o caso das mortes dos professores. Nossas buscas foram vãs, afinal o que perguntaríamos e a quem? A cada dia nossa incompetência recebia mais um certificado de atualização. 

Porém, ao entrarmos na biblioteca, as coisas mudaram. Um jovem, aparentemente na casa dos 20 anos, olhou-nos dos pés à cabeça e disse: “EU SOU disse que viriam. Procurem pelo último livro da última prateleira”. Sacou então uma pistola e, sem hesitar, abriu um buraco no próprio crânio. Não houve tempo para nada. De alguma maneira medíocre, aquela visão, aonde órgãos eram dilacerados e o sangue era espalhado por todos os lados, tornara-se comum para nós. O tempo passava, EU SOU agia e nós, bem, nós seguíamos suas dicas. Sabíamos que seu objetivo final era ser encontrado, então centramo-nos em descobrir o que ele tentava nos fazer entender. ‘Isso não parará toda a Ordem’, disse um dos professores ainda em vida. Era isso o que buscávamos e, ao encontrar o livro, passamos a compreender. 

Era um exemplar antigo de capa dura marrom, de um livro chamado ‘O corpo glorioso’. O autor era desconhecido. Na contra capa, havia para nós um bilhete: 

“Vejo que chegaram até aqui. Estão mais próximos do que imaginam da realidade Absoluta. Pelo que deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Pois, já que despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou. Queriam o poder daquele que os criou. Por isso, A terra inteira será um deserto abrasador de sal e enxofre, no qual nada que for plantado brotará, onde nenhuma vegetação crescerá. 
Por seus erros, porei diante de ti a morte e a destruição. Em verdade eu digo que ainda hoje, pelo fogo morrerão”.  
Sala 77A“.

Novamente, sabendo que ele havia estado ali e que se dirigia a nós como velhos conhecidos, sentimo-nos estranhos. Não há palavras para explicar como essa situação havia se tornado parte da rotina da equipe. Sentíamos medo, mas também nos sentíamos íntimos. 

O número de série da pistola usada pelo jovem, também havia sido raspado. Era um aluno matriculado na Faculdade. Cursava História e estava no terceiro ano. Seu boletim era impecável, porém ao perguntarmos aos seus colegas de classe sobre o seu comportamento em sala e também à sua família, todos resignaram-se e disseram que há muito ele andava diferente. Trazia sempre consigo o livro dito e falava a todos sobre as “conspirações” dentro da faculdade. Era tomado como louco. Sua mãe disse que ele havia ordenado que, quando chegasse sua hora, seu corpo deveria ser levado ao galpão e ressaltou que não deveriam mexer nele, ou pagariam pelos seus erros. O rapaz já tinha em mente o momento de sua morte. A mãe disse que o galpão era um local aonde sempre se dirigia após as aulas. Por muitas vezes não voltou para casa. Mal sabíamos o que nos esperaria nesse local dali alguns dias.  Porém, o que nos esperava na sala 77 do bloco A nos interessava mais no momento. 

Estava fechada e, segundo o zelador, raramente alguém passava ou entrava ali. Bem, pelo que vimos, não era tão raro assim. Lá dentro, o filtro vermelho nos esperava. 4 paredes brancas, em 3 delas havia o número 6, na quarta, a estrela. No centro, 2 macas, nas macas, 2 corpos. Nos corpos, fogo. Um homem e uma mulher ardiam em morte ao redor do número da besta. Assimilei o crepitar aos gritos de dor que aqueles dois seres, agora totalmente desfigurados, provavelmente haviam dado antes de morrer, enquanto ainda tinham bocas. O cheiro de carne humana assada era fortíssimo. Muitos da equipe não seguraram seus estômagos. Ouvimos berros de pavor, sentimos o medo no calor que o fogo provocava na pele. Aquele era o cheiro da morte. EU SOU era a morte personificada. À frente dos corpos, em uma pilastra de aproximadamente um metro e meio de altura, havia uma caixa de madeira. Ao abri-la, encontramos um caderno de capa preta. Na capa havia um círculo vermelho e, dentro dele, uma espada. Embaixo do caderno, um cronômetro. Contava regressivamente 2 minutos. Soubemos do que se tratava e saímos correndo em disparada.

Ao sair desesperadamente da Faculdade, vimos a profecia concretizada. As coisas haviam atingido outro nível. Aquele ser tinha a inteligência e o equipamento para destruir um prédio que ocupava todo um quarteirão, sem ser visto em nenhum momento. Sem termos a mínima ideia de quem era.  

‘Por seus erros porei diante de ti a morte e a destruição. Em verdade eu digo que ainda hoje, pelo fogo morrerão’. 

Conseguimos que os poucos que estavam lá dentro, saíssem antes da explosão. Porém, os números nos aproximavam do desfecho da história. Eram agora 6. A faculdade havia sido destruída e as peças finais só podiam estar no caderno. EU SOU, deixou-nos aquela que seria nossa penúltima peça: 

‘O círculo e a espada abrem o caminho para a Ordem. O fim está próximo. Porém, EU ainda SOU’.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário